Festival do Rio: leia crítica de O Hotel às Margens do Rio
Sensação entre cinéfilos do mundo todo, Hong Sang-soo discute arte e relacionamentos em seu novo filme, rodado em preto e branco
atualizado
Compartilhar notícia
Rio de Janeiro — Um dos nomes mais venerados pela cinefilia contemporânea, o diretor Hong Sang-soo apresenta no Festival do Rio 2018* seus dois novos longas, ambos rodados em 2018: O Hotel às Margens do Rio e Grass — falaremos do segundo aqui no Metrópoles em breve.
O sul-coreano vive um de seus momentos mais prolíficos da carreira — são seis longas num espaço de dois anos, a contar de Você e os Seus (2016), que também vimos no Rio. Em O Hotel, o cineasta aprofunda sua melancólica fase recente, consolidada em Na Praia à Noite Sozinha (2017), por meio de dois núcleos dramáticos ao mesmo tempo próximos e distintos.
Com o estilo despojado e minimalista de sempre, Sang-soo retorna ao preto e branco, usado tantas vezes ao longo de sua trajetória, para narrar as dores de um velho poeta (Ki Joo-Bong) que sente estar próximo da morte e uma jovem (Kim Min-hee, atriz-símbolo dessa fase soturna do diretor) de coração partido após uma traumática separação.
O escritor passa uma temporada de graça nesse hotel às margens do rio após criar laços de amizade com o dono do espaço. Lá, recebe a visita de seus dois filhos (vividos por Kwon Hae-hyo e Yoo Joon-Sang), ambos distantes — o mais novo, para nenhuma surpresa de quem conhece Sang-soo, é diretor de cinema. A jovem tenta seguir adiante ao lado de sua melhor amiga (Song Seon-mi).
Aos poucos, esses dois núcleos se cruzam de maneiras imprevisíveis, como na hilária e algo constrangedora cena em que o autor não economiza nos elogios às jovens — a imagem por ele vista, de duas mulheres em meio à vastidão branca de neve, soou digna de poesia.
A estrutura díptica do filme evoca a de outros trabalhos recentes de Sang-soo, como Certo Agora, Errado Antes (2015). Mas, em O Hotel, essa dualidade serve para catalisar frontalmente uma série de situações, ora dramáticas, ora espirituosas, sobre temas costumeiros do cinema do sul-coreano, em especial os limites entre arte e relacionamentos e angústias demasiadamente humanas sobre passado, presente e futuro.
Nesse sentido, o realizador coleciona achados. A tentativa de reconciliação do pai com os filhos por meio de bichinhos de pelúcia que ele sequer teve o trabalho de comprar — um foi presente, o outro obtido numa daquelas máquinas de agarrar brindes — termina com uma fotografia de celular. É de uma frivolidade desconcertante. Na sequência mais dramática do filme, pai e filhos discutem problemas de família numa DR etílica enquanto as jovens jantam na mesa ao lado.
Mesmo quando flerta com a morte e a tristeza sem fim de dias gélidos, a obra de Sang-soo consegue fisgar o público com bom humor e um incansável espírito aventureiro. Imperdível tanto para iniciados como iniciantes na arte do sul-coreano.
Avaliação: Ótimo
*O repórter viajou a convite do Festival do Rio