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“Estamos vivendo um desmonte no Brasil”, diz Kléber Mendonça Filho

Ganhadores do Prêmio do Júri de Cannes por ‘Bacurau’ falam de como fica a vida após a vitória no festival francês, encerrado no sábado

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Léo Laumont/FDC
Kleber Mendonça Filho
1 de 1 Kleber Mendonça Filho - Foto: Léo Laumont/FDC

Ao gritar “Um beijo para todo mundo no Recife” no Palais des Festivals de Cannes, com o Prêmio do Júri de Cannes, Kleber Mendonça Filho estava fazendo mais do que afago em sua terra natal, em meio à consagração na disputa oficial da mais prestigiada seleção competitiva do mundo: seu gesto de carinho é um indicativo de sua curiosidade acerca da carreira nacional de Bacurau. Ao lado dele, no palco da Croisette, o também pernambucano Juliano Dornelles fez algo parecido em seu discurso: chamou a atenção da imprensa mundial acerca da crise que se instaura no Brasil em meio ao clima de caça às bruxas que cerca quem vive de cultura ou de educação no país.

Ao serem contemplados com o terceiro prêmio mais importante do evento francês – a Palma de Ouro, prêmio principal, ficou com o sul-coreano Bong Joon Ho, por Parasite, e o Grand Prix com a francesa de origem senegalesa Mati Diop, por Atlantique –, os dois diretores demonstraram estar com a cabeça na realidade brasileira. A vitória deles veio na decisão do time de jurados presidido pelo cineasta mexicano Alejandro González Iñárritu (de Birdman) em criar empate entre dois longas que traduzem o desajuste social de seus países num ambiente de barbárie: Les Miserábles, de Ladj Ly, foi o escolhido para dividir a o prêmio com Dornelles e Kleber. No thriller dirigido por esse francês de origem maliana, três policiais enfrentam uma rebelião dos moradores de um subúrbio majoritariamente negro de Paris em retaliação a uma agressão contra um menino daquela periferia. O povo se levanta contra uma instituição de controle.

Bacurau mostra uma situação parecida: os habitantes da cidadezinha sertaneja que dá título ao longa se insurgem contra uma célula de assassinos estrangeiros, chefiados por um alemão (Udo Kier), que coordena uma caça a pessoas pobres. Cannes reagiu bem ao filme. Aliás, reagiu com ternura a ele e a outros filmes de DNA nacional: A Vida Invisível de Eurídice Gusmão, do cearense Karim Aïnouz, ganhou o Prix Un Certain Regard e o thriller psicológico sobrenatural The Lighthouse, produzido pelo carioca Rodrigo Teixeira, levou o prêmio da crítica. Mas como é que os brasileiros vão reagir a ele? É disso que os dois diretores falam na entrevista a seguir:

O que essa consagração simboliza para a luta do nosso cinema por respeito das autoridades?
Kleber Mendonça Filho: É uma vitória que nos traz respeito internacional, uma repercussão em todo o mundo. Fomos vistos.

Juliano Dornelles: Ele abriu uma boa conversa sobre o que está acontecendo. A gente está fazendo a nossa parte para que não se destrua o que foi conquistado.

Quais são os planos agora?
K: Estamos vivendo um momento desmonte no Brasil e esse filme acabou abrindo uma boa conversa internacional. Mas a gente está muito curioso em saber como o filme vai ser recebido pelos brasileiro, ao estrear, em agosto. Tenho muito interesse em saber como vão reagir a ele. O filme, aqui, ganhou a imagem de objeto de resistência.

J: Muita gente trabalhou nesse filme. Gente do Brasil e fora dele. É espetacular estar em Cannes quando querem esconder o que fazemos.

Uma das questões centrais deste festival de Cannes foi a questão do território. A lógica territorial vale desde espaços físicos, como é o caso de “Bacurau”, até o território do corpo, como se viu em “Parasite”, o ganhador da Palma. Como é que essa questão entra no filme?
K: Acho que mais do que brigar por território, os personagens do nosso longa estão brigando pelo direito de existir, o direito de serem deixados em paz. Um filme em que pessoas do Nordeste não querem se submeter ao desejo de estrangeiros.

Como foi a construção dessa narrativa?
J: A gente se juntava de segunda a sexta, durante oito meses, tendo uma TV por perto para rever filmes, sobretudo faroestes que pudessem nos ajudar. Chegávamos a discutir cortes que o longa teria ainda no roteiro. Isso era pra pavimentar bem essa rampa que leva à surpresa. Um situação puxava a outra.

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