Em palestra, Kleber Mendonça Filho fala sobre sexo, política e racismo
Mais de 250 pessoas participaram do bate-papo com o diretor de “Aquarius”
atualizado
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As 250 poltronas estavam ocupadas, mas olhos e ouvidos atentos também povoavam os corredores laterais do auditório Minas Gerais, no Kubitschek Plaza Hotel. À mesa, Kleber Mendonça Filho, o diretor do filme “Aquarius”, expunha características marcantes da obra enquanto, no telão, eram projetadas imagens do longa. Quase 300 pessoas entre estudantes, curiosos, atores, cinéfilos, diretores e cineastas, assistiram à palestra “Direção Cinematográfica”, evento que ocupou a programação da 49ª Festival de Brasília do Cinema Brasileiro, na segunda-feira (26/9).
Em forma de bate-papo descontraído, o cineasta pernambucano que mais tem tido destaque no cenário cultural brasileiro respondeu a perguntas do público com temáticas diversas. Entre uma imagem e outra, questões como feminismo, racismo, sexo e política foram levantadas. Kleber também falou um pouco sobre técnicas utilizadas em “Aquarius” como enquadramento, cenas, escolhas dos atores e montagem da obra.
Para alguns espectadores, como o estudante Pedro Chaves e o editor de vídeos Victor Nunes, o debate em forma de avaliação do próprio filme não atingiu as expectativas deles, de aprender mais detalhes técnicos do trabalho de um diretor. “Eu esperava que ele falasse mais sobre cinematografia, roteiro, mas foi muito importante vê-lo e ouvir a palestra. Por ele ser o roteirista do seu próprio filme, ouvir sobre a montagem e outros aspectos foi relevante”, disse Victor.
Leia abaixo um ponto a ponto com assuntos tratados no encontro com Kleber:
Sexo e os tabus sociais
“São 48 segundos de sexo em um filme com 2h25 de duração. Não é um filme sobre sexo. O sexo em “Aquarius” foge dos padrões vistos no cinema, não foi filmado com plano médio, que mostra da cintura para cima, nem tem um caráter apelativo. Compondo a trama de maneira natural, o sexo vem em memórias, em experiências e curiosidades”
Kleber conta que pensou no ato sexual como parte da vida e do comportamento humano. Ele se espanta que ainda hoje, lidar com o sexo seja um tabu social. “A gente recebeu um relatório do Ministério da Justiça dizendo que tinha cenas de sexo explícito, por isso a classificação seria 18 anos, mas eu discordei, o filme não tem sexo explícito. Com algumas conversas conseguimos baixar a classificação para 16 anos”, explicou o diretor.
Representação negra
“Eu não tenho a intenção de consertar os problemas do Brasil”. A afirmação veio quando questionado sobre as manutenções dos estereótipos ligados às personagens negras. O filme tem protagonistas brancos e os negros aparecem como elementos secundários, atuando como empregadas domésticas. Uma das empregadas aparece em uma cena de sonho roubando as joias da patroa.
“A sociedade infelizmente é assim. Eu não posso retratar diferente porque não é. A nossa realidade é essa”, explica Kleber. A resposta causou desconforto entre alguns participantes. Também teve quem concordasse com o posicionamento do diretor. Segundo ele, “Aquarius” não tinha a intenção de ser um filme político, mas acabou se tornando à medida que a produção evoluiu.
Cinema Nordestino
Na plateia da palestra estavam pessoas de vários estados nordestinos que se identificaram com a trama por trazer carga afetiva com a região. Kleber tem 47 anos e se formou em cinema na década de 1990. Ele observa que o cinema brasileiro está em uma fase muito boa, tanto criativa quanto tecnicamente. “Quando eu me formei, me falavam que se eu quisesse fazer cinema eu tinha que ir para São Paulo. Se a vontade fosse maior, eu deveria ir para os Estados Unidos”, relembra o diretor.
O cineastra mostra que não somente o cinema nacional como um todo está crescendo, mas as produções nordestinas estão evoluindo muito. Kleber avalia os últimos 20 anos como positivos para as produções devido à facilidade de acesso às tecnologias e às boas políticas de fomento e incentivo ao audiovisual.
Manifestações políticas
“A frase ‘Fora, Temer’ virou algo como: Sai daqui, bicho papão”. Para o artista, o grito de protesto entoado todas as noites nos festivais e demais eventos culturais não demonstra ações. Ele diz que o país está passando por um momento político delicado, mas que exige atitudes que não estão acontecendo. “Acredito que precisamos nos unir, pois ninguém segura a cultura”, afirma.
Durante a participação em Cannes, a equipe de “Aquarius” fez uma manifestação com cartazes contra o processo de impeachment da então presidente Dilma Rousseff. “Se eu pudesse voltar no tempo, faria exatamente a mesma coisa”, disse o diretor sobre o episódio.
Ao falar sobre a escolha do filme “Pequeno Segredo” para concorrer ao Oscar, Kleber disse que houve retaliação por parte da comissão que define quem representará o país. Ele expôs a repercussão de “Aquarius” no exterior e no público e diz: “Não vão conseguir barrar ‘Aquarius’”.
Feminismo
Apesar da trama não ter a intenção de tratar explicitamente de assuntos como o feminismo, o público feminino que assistiu à palestra avaliou o filme como fortalecedor dessas questões. Um jovem disse que as cenas fortes são representativas e a resistência da protagonista transmite a luta das mulheres em seu dia a dia.
“Eu recebo isso com felicidade”, disse Kleber. Cenas como a liberdade sexual, a resistência da protagonista frente a especulação imobiliária e a maneira como lidar com o câncer de mama foram evidenciadas pelas espectadoras como positivas.
Outro final para o filme e projetos futuros
Na conclusão, Kleber confessou um outro final provável para “Aquarius” que foi deixado de lado por se tratar de “um fim muito literário”, segundo o diretor. “O close está em um suporte de papel higiênico com o rolo no final, então a câmera abre e este suporte está em cima de uma montanha de entulho e resto de construção”, revelou.
Para Kleber este fim ficaria bom se fosse em um livro, mas não funcionaria em um filme. “O final que escolhemos funciona bem pelo som e pela força das imagens”, diz. Ele confessa que está pensando em iniciar projetos fora do Brasil. Em novembro, a expectativa é que volte a gravar o filme “Bacurau”. A história é um thriller que se passa em uma comunidade pequena do interior do Pernambuco.