Em “A Pele de Vênus”, Polanski monta seu palco de ilusões
Uma das estreias da semana, o mais recente filme do diretor franco-polonês narra duelo entre dramaturgo e atriz num teatro vazio
atualizado
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Finalmente batendo à porta do circuito, o último trabalho de Roman Polanski evidencia uma fase recente que cada vez mais tem se voltado para dentro, para a intimidade. O período desse, digamos, cinema de gabinete, é curto, mas potente: começou no thriller “O Escritor Fantasma” (2010), desaguou nas tensões entre famílias em “Deus da Carnificina” (2011) e agora se infiltra nas relações entre diretor-ator em “A Pele de Vênus” (2013), inspirado na peça homônima do americano David Ives.
Chove em Paris e Thomas, vivido pelo tão polanskiano Mathieu Amalric, teve um dia penoso. Passou horas testando postulantes ao papel de Wanda von Dunayev, protagonista do romance que empresta título ao filme. Baseada na obra de Leopold von Sacher-Masoch, a montagem parece ter emperrado pela falta de uma intérprete que o satisfaça. Até que, quando ensaia finalmente ir embora, Vanda (Emmanuelle Seigner, mulher de Polanski) entra no teatro ensopada.
Pessoa vs persona
Cético e com discurso afetado, cheio de citações intelectuais, Thomas resiste o quanto pode aos pedidos da desconhecida: ela quer provar que é a Wanda ideal. Para surpresa do dramaturgo, ela sabe todas as falas de cor. Desenha-se um duelo abrasivo e sensual entre os dois. No palco do auditório, eles ora discutem, ora interpretam passagens da adaptação. Misturam-se pessoa e persona.
Filmando em francês pela primeira vez em 40 anos, Polanski estabelece uma deliciosa dialética a partir da imprevisibilidade de seus personagens. Os planos tensionam essa dualidade a todo momento: nunca se sabe se as cenas ensaiadas terminarão em beijos ou tapas. As respostas emocionais, aliás, pouco interessam. Não se trata da clássica e datada angústia do diretor à procura da musa.
Quando o roteiro começa a correr em círculos, Polanski trata de dispensar a atmosfera de thriller erótico. Numa esperta piscadela para “O Inquilino” (1976), o diretor entorta os papéis de diretor-atriz: não há sequer mais uma simples relação entre homem e mulher. Num palco de frente para uma plateia vazia, com apenas um presente (você, espectador), os gêneros são reduzidos a um par de sombras.
Avaliação: Bom
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