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“Divertidamente” e seu significado de dentro pra fora

Divertida Mente, o mais recente longa metragem da Pixar, é uma animação classificada como infantil por ser direcionada às crianças, mas que, em razão de uma consistente abordagem de conceitos da psicanálise aliada a uma sensibilidade muito particular do diretor e roteirista Pete Docter, é capaz de tocar profundamente aos grandes e aos pequenos. Não […]

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1 de 1 divertidamente - Foto: Divulgação

Divertida Mente, o mais recente longa metragem da Pixar, é uma animação classificada como infantil por ser direcionada às crianças, mas que, em razão de uma consistente abordagem de conceitos da psicanálise aliada a uma sensibilidade muito particular do diretor e roteirista Pete Docter, é capaz de tocar profundamente aos grandes e aos pequenos.

Não restam dúvidas de que o título em português traz consigo uma leveza e já prepara bem o público que está prestes a ver o filme. O título original do longa é Inside Out que, em tradução livre, pode ser entendido por “de dentro para fora”. Sem qualquer crítica ou desmerecimento ao nome dado em português, o título norte-americano faz muito mais sentido quando confrontado com o que se está prestes a assistir: uma visão de dentro para fora da construção da estrutura psíquica de nós seres humanos, cujas bases e elementos fundamentais nos acompanham para o resto de nossas vidas.

Quando assisti Divertida Mente, confesso ter saído da sala de cinema extremamente emocionada com o que acabara de ver. Estavam ali inundando minha psique a alegria, a nostalgia, a dúvida e até certa tristeza. Na sala de cinema era possível perceber o semblante de emoção no rosto dos adultos, a maioria deles lutando pra se manterem fortes e não chorar em público.

Emoções Pessoais

Instantaneamente minhas memórias me fizeram questionar situações que vivi em minha infância, em minha adolescência e vida adulta e que foram responsáveis por me trazer exatamente aqui onde estou. Espelhei tudo o que acabara de ver também na vida do meu filho, hoje com 17 anos, e inevitavelmente me transportei para alguns importantes episódios de tristeza pelos quais ele – e por via indireta também eu – passou e revivi, com pesar, suas primeiras perdas, primeiras angústias e seu fortalecimento posterior.

Conclui, imediatamente, que o crescimento de todos nós, seres humanos, tem alicerces não apenas nos momentos de alegria, mas também e fundamentalmente naqueles de tristeza.

O filme trata da história de Riley, uma menina de 11 anos de idade que, por decisão dos pais, muda-se de Minnesota para a cidade de São Francisco, deixando para trás sua escola e seus amigos. Antes da mudança, Riley é retratada como uma criança extremamente feliz tanto em sua convivência com seus pais, quanto com seus amigos de escola e colegas de esporte, o hóquei no gelo. No entanto, ao se mudar para São Francisco, Riley é tomada pelo conflito de suas emoções, personificadas em Alegria (Amy Poehler), Tristeza (Phyllis Smith), Raiva (Lewis Black), Medo (Bill Hader) e Nojinho (Mindy Kaling). E dentro da mente da garota, mais precisamente “da Sala de Comando”, esses sentimentos entram em conflito sobre como lidar com essa nova situação.

Fica claro, a partir daí, que até aquele momento Riley poucas vezes – ou talvez nenhuma – tivesse experimentado esse conflito de sentimentos.

Toda a gravidade da situação vivida por Riley piora quando Alegria e Tristeza se perdem da Sala de Comando, deixando a menina sem suas duas principais emoções, colocando em risco a própria identidade da garotinha. E é exatamente aí que a Pixar nos revela toda sua impecável sensibilidade para tratar de relevantes elementos psíquicos como as lembranças, as memórias-base e até mesmo o subconsciente, sem precisar colocar a Alegria e a Tristeza em rota de colisão.

Antagonismo-ou a Falta dele

E esse é um fator interessantíssimo no roteiro do filme: não há um antagonista. Não é possível dizer que a Tristeza é uma personagem capaz de trazer antagonismo à Alegria. Ao contrário, a sutileza do filme está na inserção da Tristeza como um sentimento fundamental ao nosso amadurecimento e ao refinamento da nossa inteligência emocional.

Aliás, o filme confronta essa ideia generalizada na nossa cultura de que o sentimento de tristeza precisa ficar guardando e esquecido em um lugarzinho minúsculo em algum canto do nosso intelecto. A preocupação do filme foi garantir um lugar de destaque a esse sentimento igualmente importante a todos nós, dando-lhe valor. Ao final, fica claro que Riley precisa de Tristeza para crescer.

E ao longo dessa bela viagem, que transita entre momentos de felicidade e outros de extrema melancolia e até nostalgia, experimentamos também, ainda que de forma coadjuvante, a vivência da garotinha com a Raiva, o Medo e o Nojinho, outros sentimentos que fazem parte do cotidiano de cada um de nós.

Pra não dizer que Pete Docter foi impecável, muito embora tenha conseguido explorar bem esse não antagonismo na relação entre as personagens da Alegria e Tristeza, o design das personagens incomoda um pouco.

O deslize cometido no filme foi se deixar levar pelo velho e temido problema do estereótipo. Personificar a Alegria como sendo uma mocinha linda, magra e com grande espírito de liderança e a Tristeza como a feinha, gordinha e dentuça me trouxe a sensação de que, ainda que não intencionados, foram reforçados os perigosos estereótipos pessimamente inseridos em nossa sociedade. A meu ver, esse foi o único ponto negativo do filme, mas que não é capaz de comprometer sua beleza.

Divertida Mente, no fim das contas, nos permite abrir janelas para o nosso interior, de modo a fortalecer os laços que firmamos aqui no exterior, nos deixando a lição de que a bagunça nas nossas mesas de controle é uma catarse importantíssima para que, cada um de nós, se enxergue como é e compreenda que o nosso caminho é trilhado com a Alegria e a Tristeza andando de mãos dadas.

E assim se vê que segurar as lágrimas, na tristeza ou na alegria, não é bem para os fortes, mas talvez para os incompreensíveis de si mesmos.

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