Diretora de Minha Mãe É Uma Peça 3: “Une a esquerda e a direita”
Com dois filmes entre as maiores bilheterias da história no Brasil, Susana Garcia comemora sucesso e faz alertas sobre governo Bolsonaro
atualizado
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Experiente no teatro e na televisão, Susana Garcia acumulava trabalhos de roteiro até estrear como diretora de cinema. Aos 49 anos, o início de trajetória atrás das câmeras não poderia ser mais impressionante.
Minha Vida em Marte (2018), no qual dirige sua irmã e também dramaturga Mônica Martelli, e o recente Minha Mãe É uma Peça 3 (2019), ainda em cartaz, figuram entre as maiores bilheterias do Brasil em todos os tempos.
Garcia, casada com o ator Herson Capri e mãe de três filhos, é a única cineasta mulher no top 25 dos maiores públicos do cinema nacional. Marte atraiu mais de 5,3 milhões de pessoas às salas. O terceiro da franquia estrelada pelo comediante Paulo Gustavo bate um recorde atrás do outro.
Ocupa a quinta posição no ranking geral e, em cifras não corrigidas pela inflação, lidera a lista das maiores arrecadações.
Em entrevista ao Metrópoles, Garcia comemora os feitos do filme e considera o sucesso fruto de um “mistério”. Ainda fala sobre a importância da representatividade feminina e de minorias para arejar a linguagem de cinema e faz alertas sobre a política cultural do presidente Jair Bolsonaro.
Leia entrevista com Susana Garcia:
Com Minha Mãe É uma Peça 3, você se tornou a cineasta mulher dos filmes mais vistos no cinema nacional. Como é alcançar esse sucesso numa indústria ainda dominada pelo olhar masculino?
Vejo o sucesso deste filme e do anterior como resultado de muito trabalho. E esse trabalho não começa no set, mas no roteiro. Sou diretora, mas acredito demais num bom roteiro. Acho que o público quer se divertir, rir, mas acima de tudo, acompanhar uma boa história. Eu, Paulo (Gustavo) e Fil (Braz) ficamos um ano no roteiro para contarmos uma boa história no set. Me dá prazer filmar o que acredito.
Aproveito a comédia para sensibilizar o público. Acho que só entretenimento, só risada fica tudo vazio. A pessoa se diverte, mas sai sem nada. A arte tem que preencher, fazer refletir. Em comum, os dois filmes são comédias. O público se identifica muito. No caso da Fernanda (personagem de Martelli em Marte), a experiência da mulher, relacionamentos. E a Hermínia, como mãe. Todo mundo sai transformado. Algo pegou que faz as pessoas irem para a casa pensando no filme. Acho que esse é o meu trabalho. Tento fazer comédias que emocionem.
O fato de eu ser mulher… Não sinto tanta dificuldade. Porque tenho maneira diferente de trabalhar. Meu set é tranquilo, tem muita harmonia. Para me impor, não preciso chutar, botar o pé na porta. Vou (para o set) com tudo muito decupado. Tenho segurança do que quero e acho que as pessoas embarcam e vêm junto.
Acha que o cinema tem avançado nessa questão da representatividade atrás das câmeras, sobretudo feminina?
Hoje, acho que o respeito à mulher é diferente. Há uns 15 anos, com certeza teria que provar que era boa. Agora, chega e já é respeitada. Pelo menos eu sinto isso quando faço série, filme. O feminismo ajudou as mulheres a serem reconhecidas e respeitadas. Não preciso mostrar pro fotógrafo, pra fulano que eu posso. Já existe respeito.
Nos dois filmes que dirigiu, quais elementos você enxerga como seus? Coisas que resultaram do seu olhar e foram para a tela?
Tenho sensibilidade para entender os momentos que podem emocionar. Acredito nesses momentos e vou fundo neles: pausas alongadas, passagens musicais. A outra coisa é sempre ter como parâmetro o que é crível, verdadeiro. Nunca uma cena pode ser gratuita para fazer rir.
Tem que se pensar: isso tem identificação com o público? Uma mãe faria isso com o filho? Nunca faço piada pela piada, pelo exagero. Sempre paro e penso no roteiro, “aqui exagerou, vamos voltar”. Sempre deve ter sentido, lógica, razão.
Como diretora e espectadora, o que vê de distinto em filmes dirigidos por homem e mulher?
Já aconteceu de eu ver um filme e não saber quem era o diretor. E pensar, “nossa, tanta sensibilidade”. Vejo a mão feminina. Ela tem capacidade maior de sensibilidade, de acreditar mais nas relações humanas. Acho que o olhar feminino tem esse diferencial. Com relação a mulheres, negros e homossexuais dirigindo, percebo quando eles estão e não estão.
Acho que as mulheres são mais preocupadas com a representatividade. Faço questão de ter. Esse filme (Minha Mãe É uma Peça 3) tem uma mão feminina. Você pega os outros dois, que foram dirigidos por homens (André Pellenz e César Rodrigues). Todo mundo comenta que tem diferença. Até porque o novo fala sobre afeto. Sou mãe de três filhos. Nosso olhar é diferente.
De que maneira funcionam as parcerias com Paulo Gustavo, dentro e fora do set?
A gente passa um ano trabalhando. Se encontra todos os dias. Faço cronograma diário de trabalho. Quatro, cinco horas por dia. Todo dia, uma cena. Às vezes ela não fecha e voltamos a ela. Consideramos uma boa cena quando está encadernada. Paulo é gênio. Jorra criatividade a todo tempo. Eu cuido mais da função da cena.
Ele começa andando pela sala dele e vai criando. Vou gravando tudo. Há muita sintonia, porque ele é um cara bom de se trabalhar. Mesmo com roteiro encadernado, como a gente chama, no set ainda tem a cereja do bolo. Ele cria coisas geniais na hora. A gente é incansável.
Teve um dia que a gente ficou quatro horas num discurso da Hermínia. A gente não quer o bom, mas o excelente. É pra gente. É árduo, é ralação, mas também muito prazeroso. Trabalho muito para chegar onde estou. Vamos pro set filmar o que a gente acredita.
Você originalmente é do teatro. De que forma essa vivência do palco e da dramaturgia facilitou a transição para a linguagem de cinema?
Me ajudou em dois pilares. Tenho formação de atriz, fiz CAL (Casa das Artes de Laranjeiras) quando resolvi entrar para a arte. Entrei no intuito de aprender a interpretar para aprender a dirigir ator. Acredito em bom texto, em adaptar, mexer. Fazer esse trabalho “de mesa”. Já adaptei muita peça.
Outro pilar é dirigir ator. Sou muito criteriosa. “A cena está boa, mas o ator poderia estar mais desse ou daquele jeito”. Volta a cena. Vou ao ator e o dirijo. O teatro ajudou muito.
Já tem novo projeto engatilhado?
Parei agora no meio de um trabalho para falar com você. Roteiro da série sobre Dona Hermínia, com Paulo Gustavo. Quatro temporadas e 45 episódios. Dirijo e escrevo.
O cinema brasileiro teve um 2019 incrível em prêmios e festivais, agora chegando ao Oscar 2020 com Democracia em Vertigem. Ao mesmo tempo, sofreu desmontes em editais públicos. Qual sua visão sobre a política cultural do governo Bolsonaro?
A gente está vivendo um momento que, para a cultura, é um pesadelo. Mesmo no meio desse governo extremamente retrógrado, conseguimos fazer sucesso com esse filme. É um mistério que muita gente me pergunta. Como um filme protagonizado por um homem assumidamente gay, casado e com dois filhos, interpretando uma mulher faz tanto sucesso?
Conseguiu unir esquerda e direita. Todo mundo vê o filme. E a Petra (Costa)? Num governo desse, e conseguiu ser indicada ao Oscar. A arte, por mais que esteja sendo achatada, cria forças para vir mais forte. Teremos ano com muitas dificuldades, mas nunca estivemos tão unidos.
Participo de grupos de conversas com cineastas. Nunca nos mobilizamos tanto para dar a volta por cima.