A Salamandra: diretor elenca desafios de fazer filme franco-brasileiro
Alex Carvalho e Allan Souza Lima concederam entrevista ao Metrópoles e falaram sobre a mensagem do filme, adaptado de um romance francês
atualizado
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Alex Carvalho estreou, na última quinta-feira (27/6), o primeiro longa de sua carreira, A Salamandra, oriundo do clássico romance francês, escrito por Jean-Christophe Rufin, de mesmo título. Em entrevista ao Metrópoles, o diretor brasileiro refletiu sobre as dificuldades de adaptar a obra e abriu o jogo sobre a mensagem do filme.
De acordo com a sinopse oficial, o longa conta a história de Catherine (Marina Foïs), uma francesa que vem ao Brasil após a morte do pai e passa a morar com a sua irmã em Recife. Ela acaba conhecendo o jovem Gil (Maicon Rodrigues) e os dois embarcam numa relação inesperada que transforma suas vidas.
Carvalho relatou que o que mais chamou a sua atenção para o livro foi a forma como a história é expressa por meio de metáforas e figuras de linguagem, além do local onde a trama se passa, Recife, sua terra natal.
“Tudo já começa pelo próprio título do livro, que se trata de um animal que na mitologia, não só atravessa o fogo, mas se alimenta do fogo. E isso para mim tinha um impacto enorme, porque a vida era cheia de fogo”, ressaltou.
De fato, fogo é algo que não falta no filme, seja no sentido figurado, como o cineasta explicou, seja com momentos concretos de sexo e paixão ou, até mesmo, as próprias chamas.
“Era uma experiência muito interessante de retratar. Essa dificuldade da vida, esses momentos que a gente precisa lidar com esse fogo na frente da gente, lidar com o luto e lidar com tudo isso. Então isso realmente me atraiu muito para a história”, declarou.
Alex Carvalho citou, ainda, que o livro ativou memórias afetivas “muito fortes” do que aconteceu em sua infância e que ele foi transportado para um outro espaço de sua vida. “O principal fator que eu posso dizer é essa ideia de identitário. Mesmo sem entender essa ideia de você se entender, você saber quem você é, que é uma busca que todos nós entendemos”, completou.
O enredo acompanha Catherine, que se muda para Brasil para morar com a irmã. No país, ela passa a descobrir um novo mundo, não só por conta da mudança de cultura, mas, também, por causa do romance com Gilberto, um jovem negro que mora na periferia e depende de vários bicos para sobreviver.
“Quando eu tive contato com esses personagens, eu achei que seria um tema muito interessante. Esse é o cinema que me atrai. É um cinema que ele não responde, é um cinema que ele questiona, um cinema que ele levanta dúvidas, um cinema de debate”, declarou.
Filme francês
Quanto à adaptação, Alex Carvalho relatou que essa é uma “região visual” que ele mais gosta. Entretanto, para A Salamandra, ele relatou que as dificuldades foram outras. Foram 14 anos para tirar o projeto do papel, por conta de questões pessoais, de financiadores e até de conteúdo, já que o filme é francês e contou com investimento de países europeus.
“Era um projeto que eu queria que tivesse uma marca genuinamente brasileira, apesar de ele ser um filme francês, porque ele foi filmado como um filme francês. A maior parte do orçamento era francês. Por conta disso, o filme precisava de 50% mais uma palavra do filme em francês”, comentou.
Alex Carvalho
O cineasta relatou que havia um francês no set contando as palavras e que essa foi uma situação “difícil para burro”. Entretanto, após negociações, ele conseguiu que o filme tivesse mais palavras em português. Outro desafio foi trazer ao filme uma visão mais brasileira da trama, já que se tratava de um livro com uma percepção europeia do Brasil.
Evolução de Catherine
A temática do filme passeia pela evolução de Catherine, que deixa para trás muito de sua característica europeia para viver em nosso país. De acordo com Carvalho, essa abordade é definida como “se cortar da própria pele”.
“A nossa ideia é que temos que se cortar para entender como é que a gente vai evoluir. A gente não pode ficar do jeito que a gente quer, mais ou menos de uma forma simplista”, disse.
Dessa maneira, ao final do filme, os personagens principais traduzem essa evolução e essa mudança por meio das próprias cicatrizes. “A gente não tem que esconder a cicatriz. Eu acho que é a coisa mais bonita no personagem da Catherine. Quando ela simplesmente olha aquela cicatriz e diz ‘Porra, eu sou outra pessoa’. É mais ou menos o que o filme tenta falar de uma forma muito discreta”, completou.
Allan Souza Lima
Estrela de Cangaço Novo (Prime Video), Allan Souza interpreta Pachá no longa, um amigo de infância de Gilberto que o ajuda a encontrar bicos e que o emprega em seu empreendimento. Ele é responsável por uma parte importante do longa e passeia entre o português e o francês.
“Tive que me dedicar exaustivamente durante algumas semanas, entendendo o trabalho, a musicalidade do que essa língua traz, entendendo os diálogos, entendendo minhas cenas, as falas do próximo que contracenava comigo. Por falar em outra língua, eu acho que naturalmente o teu psiquê já começa a girar num outro lugar que não é habitual ao teu”, declarou.
Outro desafio citado pelo ator foi compreender a maneira como o Brasil é entendido em outros continentes, sobretudo a favela. O ator recomenda a leitura do livro Veias Abertas da América Latina, de Eduardo Galeano, que explica como os países da região foram sucateados e explorados pela Europa e pelos Estados Unidos.
“Eu acredito que o Brasil tem muito mais para mostrar. O que é que faz sucesso lá fora? Falando criticamente. É um Cidade de Deus, é um Tropa de elite, são filmes que têm ação, arma na mão, tiro, matança. E eu acho que o Brasil não é só isso. O Brasil é multicultural, multifacetado, tem belezas naturais incríveis”, relatou.
Allan Souza
Por fim, ele destaca que uma mudança de postura poderia surgir de dentro do mercado cinematográfico para mostrar o trabalho de outras maneiras. “Acredito que parece que a gente se firmou numa matemática do que funciona, do que o gringo quer ver, e parece que a gente só mostra o que a gente tem de pior no Brasil”, encerrou.