Crítica: Três Anúncios, o filme-textão sobre um mundo em desajuste
Um dos favoritos ao Oscar 2018, longa do inglês Martin McDonagh comenta temas como feminismo e racismo a partir de um crime sem solução
atualizado
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O mote de Três Anúncios Para um Crime é basicamente o mesmo da cultuada série Twin Peaks: o assassinato de uma jovem americana (loira, algo rebelde) em uma cidade pequena e as repercussões do crime na comunidade.
Enquanto o seriado de David Lynch mira (e acerta) na fabulação estética e narrativa, o filme do londrino Martin McDonagh encontra sua matéria-prima em temas importantes. Feminismo, luta contra o racismo, homofobia, respeito às minorias, truculência policial, xenofobia. “Ódio suscita mais ódio”, reflete uma personagem. Em resumo, está “tudo” lá.
Com uma óbvia filiação ao cinema dos irmãos Coen – a atriz principal, Frances McDormand, é casada com Joel e ganhou Oscar por Fargo (1996) –, Três Anúncios mostra as diversas reações dos moradores de Ebbing, no Missouri (meio-oeste americano), ao gesto de Mildred (McDormand), uma mãe que acaba de perder a filha adolescente.
Com modestas economias, ela aluga por um ano os três outdoors localizados nos arredores da cidade. Neles, lê-se uma breve descrição do crime (“estuprada enquanto morria”) e um apelo às autoridades, sobretudo ao xerife Willoughby (Woody Harrelson), para que o caso seja solucionado.
Filme-textão sobre mal-estar social
O que começa como um promissor conto sobre a América “profunda” e seus personagens tão mundanos quanto estranhos logo se revela uma história de possíveis conciliações em um país dividido por discursos de ódio e rachaduras sociais.
McDonagh, já conhecido por artifícios narrativos mostrados em Na Mira do Chefe (2008) e Sete Psicopatas (2012), desta vez amarra um roteiro programado para atingir certas zonas cinzentas de comédia, drama e suspense e, de forma tão urgente quanto apreensiva, comentar angústias do presente.
Mas qualquer boa intenção é enterrada pela falta de sutileza. E Três Anúncios mostra-se pouco engenhoso nessa missão de empilhar imagens “antenadas” com a atualidade: certas cenas parecem calculadas para ensinar uma ou duas coisas aos personagens – e, pior, ao público.
Todos os personagens são afetados pelos efeitos colaterais do crime sem desfecho. No momento que parece sintetizar a trama, Mildred ateia fogo à delegacia enquanto Dixon (Sam Rockwell), policial racista afastado após agredir Red (Caleb Landry Jones), o jovem gay que administra o aluguel dos outdoors, abre uma carta escrita por Willoughby.
O agente consegue escapar com vida e salva das chamas os arquivos do assassinato da filha de Mildred. A incendiária se faz de desentendida e diz às autoridades que chegou ao local na companhia de James (Peter Dinklage), anão de Ebbing, primeiro a socorrer Dixon.
Esse tipo de trama de histórias interconectadas com fundo social já ganhou o Oscar uma vez – Crash: No Limite (2004), rasteiro drama sobre racismo em Los Angeles. Três Anúncios, por sorte, é menos apelativo e sabe quando recorrer à comédia para abrandar a seriedade de certas metáforas.
Nem o humor salva o longa de McDonagh do roteiro mecânico, esquemático e repleto de conveniências. A trama basicamente orquestra encontros entre polos opostos para redimir erros e suprimir rivalidades. Nunca foi uma história sobre a (falta de) solução de um crime, claro. Filme com arrogância e ingenuidade de um textão mal escrito.