Crítica: Tipos de Gentileza traz olhar pessimista de Yorgos Lanthimos
Tipos de Gentileza, novo filme de Yorgos Lanthimos, mostra visão pragmática do diretor sobre um mundo egoísta
atualizado
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Cannes (França) – Menos de um ano após o lançamento de Pobres Criaturas no Festival de Veneza, o diretor e roteirista Yorgos Lanthimos, a atriz vencedora do Oscar Emma Stone e Willem Dafoe reúnem-se para lançar Tipos de Gentileza, um retorno às origens do diretor grego em termos de tema e estilo, na mesma linha do aflitivo O Sacrifício do Cervo Sagrado. A obra é uma antologia, que reúne três histórias independentes que tematizam a tal da gentileza, com o revezamento dos atores principais interpretando personagens diferentes.
Na primeira história, Jesse Plemons interpreta um homem cuja rotina de vida é pré-determinada pelo personagem de Willem Dafoe. O que comer e beber, o horário para ter relações sexuais e o pedido ainda mais estranho de colidir o seu automóvel contra o de um estranho. Na segunda história, Jesse é um policial atormentado com o fato de que a esposa resgatada (Emma), após ser dada como desaparecida, não parece mais ser a mesma pessoa. Na terceira história, Jesse e Emma participam da seita liderada por Willem na procura de uma pessoa que tenha poderes milagrosos de reerguer os mortos. Todas estas histórias, mal ou bem, estão relacionadas com o misterioso R.M.F. (que intitula todos os segmentos).
Como é praxe em antologias, a narrativa é relativamente irregular, apesar de haver uma unidade estilística criada em planos recorrentes (ex. dos pés dos personagens) ou símbolos que vêm e vão (ex. os acidentes de carro), e uma temática comum com o tratamento irônico de até onde a humanidade está disposta a chegar em busca de aprovação dos outros. Os personagens estão submetidos a figuras de poder dentro da sociedade – o chefe de uma empresa, o marido, o líder de uma seita – e o humor ácido está em perceber as gentilezas, que quebram a estética ‘limpinha’ do restante do filme em favor de momentos de choque e crueldade.
Lanthimos é competente na elaboração de histórias costuradas da fábrica do mundo real, povoada por personagens razoáveis e à primeira vista decentes. Tudo dentro de um microcosmo pacato de classe média ou alta, embora pareça haver uma estranheza à espreita e os personagens estejam somente a uma ação de desaguar na barbárie. Os filmes dele, este em particular, não estão preocupados em colocar o mundo em crise, a partir de um conflito que deve ser solucionado para restabelecer “o mundo de antes”.
Ao contrário, em Tipos de Gentileza, toda a crise já está instaurada, o conflito é elusivo e imaterial e os personagens não procuram resolvê-lo, mas conformar-se a este mundo. No primeiro segmento, o personagem de Jesse Plemons não procura reaver o livre-arbítrio subtraído, e sim o status que possuía. Essa lógica aplica-se à personagem de Emma Stone no terceiro segmento. Não é sobre salvar o próximo, é sobre salvar a si mesmo.
Tipos de Gentileza e o pragmático Yorgos Lanthimos
Se havia otimismo em Pobres Criaturas, em Tipos de Gentileza há o olhar pragmático e pessimista de um autor voltado para um mundo egoísta e que tenta, ao menos, criticar através da ironia e sátira – por mais cruel que isso seja. E, em muitos momentos, o desejo é apenas esconder o rosto e não ver. Um ato até comum para a pessoa média, quando pula as notícias desagradáveis e vai para o entretenimento.
Lanthimos diagnosticou qual o mal da sociedade e colocou o dedo dentro da ferida, não para estancar o sangramento, mas para cronometrar o tempo que aguentamos a pressão até a insensibilidade.
E acredite, essa insensibilidade invariavelmente chegará.
A questão a que devo revisitar é a irregularidade da narrativa. Apesar de atores que parecem incapazes de proporcionar uma atuação abaixo da média – quanto maior a grife, mais talentoso o elenco que Lanthimos tem reunido – e do controle estilístico e emocional da direção, que sabe o momento exato de instigar um riso desconfortável ou provocar o choque, Tipos de Gentileza parece um trabalho realizado às pressas. Diante do potencial ácido de cada história individualmente considerada, talvez uma antologia não seja a melhor forma de servir o que se quer narrar, mas uma trilogia.
Apesar de enxergar a totalidade do que Yorgos Lanthimos procurou alcançar a partir de três histórias absurdamente reais e cruéis, a ideia é melhor do que a execução.