Crítica: sessão de empatia em “Por Trás da Linha de Escudos”
Longa de Marcelo Pedroso mostrou encontros do diretor com o Batalhão de Choque da PM de Pernambuco, especializada em reprimir protestos
atualizado
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Parecia que a sétima noite da competitiva do 50º Festival de Brasília do Cinema Brasileiro não empolgaria. A desanimação só foi interrompida pela aparição de um grupo de participantes do BDSM (Bondage, Disciplina, Dominação, Submissão, Sadismo e Masoquismo). Integrantes do curta-metragem “Baunilha”, de Leo Tabosa, subiram ao palco do Cine Brasília para apresentar o filme e atraíram os olhares curiosos do público.
A seleção de filmes da mostra competitiva de ontem (21/9) serviu como um convite para abaixar os escudos e ouvir as razões do “outro”. Esta compreensão serve para os dois curtas-metragens e o longa exibidos em competição.
A aproximação com o diferente é a tônica do longa-metragem pernambucano, dirigido por Marcelo Pedroso (“Brasil S/A” e “Pacific”), “Por Trás das Linhas de Escudos”, que se propõe a acompanhar o cotidiano dos soldados de um batalhão do Bope da Polícia Militar de Pernambuco.“Por Trás das Linhas de Escudos”
O exercício de empatia proposto por Marcelo Pedroso em “Por Trás das Linhas de Escudos” é inquietante de muitas maneiras. A premissa do filme é colocar diretor (como personagem), equipe e equipamentos cinematográficos dividindo espaço e o cotidiano dos integrantes do batalhão de Choque da Polícia Militar de Pernambuco.
Os primeiros contatos do cineasta com os membros da PM acontecem em entrevistas quase burocráticas até a equipe ser reconhecida por um dos policiais como participantes de um dos muitos movimentos sociais do Recife. A partir daí a película se constrói pela relação com o “outro lado” e a diminuição da distância entre dois polos opostos.
O foco do confronto entre manifestantes e policiais do BOPE, dentro e fora do filme, centra-se no disparo de um spray de pimenta desferido pelos combatentes contra um manifestante pacífico durante operação feita para sufocar o movimento Ocupe Estelita na região portuária do Recife, em 2014.
E, segue, até alcançar um momento de documentário ultra performático quando os membros da equipe do filme e agentes em treinamento passam pelo torturante experimento de terem a visão e respiração afetados pelo contato com a substância química liberada pelo gás lacrimogêneo.
Dentre os temas tratados neste longa-metragem está o próprio militarismo e seus símbolos positivistas colocados em relação simbólica em sequências de encenação.
O final da sessão de “Por trás das linhas de escudos” registrou um protesto tímido sobre a desmilitarização da polícia militar. Isto porque o documentário apesar de eficaz em sua proposta não aborda táticas mais agressivas utilizadas pela polícia quanto a repressão de manifestações como o uso de balas de borracha ou disparos de armas de fogo que (de fato chegaram a acontecer em ocasiões recentes no país).
E, mais importante, se esquiva de levantar uma discussão mais ampla sobre o papel da polícia como braço de um Estado e de governos dispostos a encarar questões de interesses sociais como um mero atrapalho para as estratégias do mercado financeiro, como é o caso da disputa de uso do espaço urbano no cais José Estelita, em Recife.
Avaliação: Regular
“Baunilha”
O curta-metragista pernambucano Leo Tabosa está formando uma trilogia sobre afetividade e erotismo homossexual. Em “Tubarão”, lançado em 2014, o diretor apresentava a solidão de um homem após a morte prematura do seu companheiro. “Baunilha”, apresentado ontem na competitiva, também é filme de perfil onde o personagem se apresenta de máscara na intenção de desmistificar preconceitos.
O protagonista é um mestre em BDSM e advogado cuja identidade foi mantida em anonimato por elementos típicos dos figurinos dos praticantes da modalidade sexual formada pelo conceito de bondage, disciplina, dominação, submissão, sadismo e masoquismo (os nomes que formam a sigla BDSM).
O melhor do cinema de Tabosa está na representação participativa de seus personagens. O realizador parece deixá-los suficientemente confortáveis para conversar francamente sobre práticas sexuais socialmente condenadas.
Avaliação: Bom
“Torre”
É um erro comum vincular o cinema de animação unicamente ao cinema infantil. A técnica cinematográfica, utilizado em “Torre”, de Nádia Mangolini, protege a identidade dos filhos do primeiro morto político da ditadura militar dos anos 1960, o militante Virgílio Gomes da Silva.
Com sensibilidade, essa animação documental desenhada em tons pastéis pela equipe dirigida por Mangolini serve para aproximar o público dos sentimentos, emoções e as subjetividades de quatro irmãos que tiveram os pais aprisionados pela ditadura e tiveram de deixar o país para viver no exílio em Cuba.
Avaliação: Bom