Crítica: Ricardo Darín surge com visual radical em “Neve Negra”
O longa aborda os conflitos familiares em um território isolado e frio
atualizado
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Antes da sessão do suspense argentino, “Neve Negra”, duas moças se encontram e travam uma conversa interessante: “Como chama mesmo o filme que você vai ver?”, pergunta uma delas. “Não lembro, é com o Ricardo Darín”, responde a outra. O que, por si só, já enfatiza o tamanho do prestígio do astro hermano no cinema, uma espécie assim de selo de qualidade para o ingresso que você acabou de comprar.
E, “Neve Negra”, vale o ingresso. Direção de Martin Hodara – o segundo longa da carreira, o primeiro solo atrás das câmeras – o filme gira em torno de um drama familiar de proporções bíblicas vivido na desértica, fria, inóspita Patagônia. O cenário desolador do filme surge como metáfora contundente diante do conflito entre dois irmãos.
Um é Marcos (Leonardo Sbaraglia), que acabou de chegar da Espanha com a recém-esposa Laura (Laia Costa), para enterrar as cinzas do pai no santuário da família e disposto a resolver um imbróglio financeiro em torno da herança deixada pelo patriarca. Um imenso mar de terra gelada que os canadenses querem comprar pela bagatela de US$ 9 milhões a US$ 11 milhões.
Acontece que Salvador (Ricardo Darín), o único dos quatro filhos que nunca deixou o lugar, não quer ouvir falar no assunto, batendo de frente contra tudo e todos, inclusive com o irmão que acabou de chegar, só para preservar a história da família, carregada de traumas, tragédias pessoais e dramas tonitruantes envolvendo uma morte mal resolvida.
“Juan e eu não podemos sair daqui”, insiste Salvador quanto à venda da terra, seu paraíso perdido no meio do nada. “Ele nunca me salvou de nada”, cospe o personagem de Darín, revelando a conflituosa relação com o pai.
Ricardo Darín traz visual radical
Uma produção Argentina e Espanhola, “Neve Negra” adaptou, até por uma questão de logística de coprodução, o cenário da Patagônia real argentina para os Pireneus da Europa, numa região entre a fronteira da França e Espanha. É neste ambiente rústico e selvagem que os personagens em conflitos se digladiam, movidos por forte rancor, sentimento de culpa e segredos perturbadores. Tudo embalado por diálogos intensos, cru e cenas ásperas.
Interessante como Hodara desenvolve esse roteiro labiríntico repleto de suspense e surpresas. No filme, o tempo todo o passado é uma mancha negra que vem à tona por meio de flashbacks intensos construídos na mesma cena em que se desenvolve o presente dos personagens. Isso acontece apenas com um recuo sutil da câmera no mesmo quadro.
Um bruto em cena imerso na solidão dessa paisagem ofuscante branca e de seus dramas internos, Ricardo Darín surge com visual radical, bem diferente do galã charmoso que estamos acostumados a vê-lo por aí. Lembra um daqueles profetas do Velho Testamento ou um Charles Bronson latino, transitando entre a linha tênue do bem e do mal. Às vezes lembra um vilão com sede de vingança. Às vezes um revoltado cheio de raiva em busca de justiça.
O tema do filme é bem direto, traz discussão em torno de valores universais distorcidos. A ganância pelo dinheiro em confronto com a perda da raiz. Marcos – Leonardo Sbaraglia em atuação surpreendente – revela um caráter corrompido após deixar o lugar da sua infância. Salvador é o selvagem orgulhoso de viver da caça e cercado pela paisagem onde todos cresceram, mesmo que este chão esteja manchado de sangue. Dentro deste contexto, o desfecho é curioso.
Confira as salas de exibição do filme
Avaliação: Bom