Crítica: “Pitanga” retrata a vida de um ator em movimento
Documentário resgata a importância de Antônio Pitanga para o cinema nacional
atualizado
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Antônio Pitanga é um dos maiores nomes do cinema nacional dos anos 1960 e 1970. No entanto, tornou-se uma figura pouco badalada das novas gerações. Daí o fato de apenas duas pessoas – uma delas, a própria reportagem do Metrópoles – prestigiarem sessão do filme numa tarde de sexta-feira pálida, em confortável sala da cidade.
A não ser, claro, que ele seja associado à filha Camila Pitanga, mas sem Antônio, não existiria Camila, o irmão Rocco, a bela modelo e dançarina Vera Manhães, mãe dos dois, e uma infinidade de participações icônicas em filmes brasileiros.
Aos 77 anos, o ator baiano de presença tão vulcânica quanto à do amigo Glauber Rocha tem trajetória confundida não apenas com a própria história da cinematografia nacional, mas com as toques políticos e sociais desse país ao longo de quase 60 anos. Isso porque, antes de tudo, Antônio Pitanga foi um ator político. Espécie, diga-se de passagem, rara, quase em extinção, nos fúteis dias de hoje.
“Meu pai diz que nunca pertenceu ao movimento negro, mas é um negro em movimento”, comentou a filha numa dessas entrevistas de divulgação do documentário, que dirige a quatro mãos com ninguém menos do que Beto Brant (“Ação Entre Amigos” e “O Invasor”).
Antônio Pitanga não para, nunca parou, esteve sempre em movimento, em ebulição de si mesmo. Por isso, participou das transformações de um Brasil em crise de identidade. Inquietações que explodem na tela por meio de seu discurso humanista e social.
E o filme é isso, ou seja, feito com muito afeto e ternura, foge das narrativas clichês do gênero — com “começo, meio e fim” — encadeando uma série de divertidos reencontros com amigos que relembram momentos da vida e da carreira do homenageado.
“Malandro é o governo que leva o filé mignon de graça sem fazer força”, diz o anárquico personagem de “Sol Sobre a Lama”, primeiro filme colorido do cinema nacional, dirigido em 1963 por Alex Viany. Uma obra, por sinal, desconhecida do grande público e de uma atualidade brutal.
Momentos preciosos
No final dos anos 1950 e início dos anos 1960, quando o cinema baiano, encabeçado por jovens críticos que se transformariam em cineastas contestadores, dava o ar da graça, lá estava Antônio Pitanga emprestando seu rosto, voz e corpo em filmes como “A Grande Feira” e “Tocaia no Asfalto”, de Roberto Pires, e “Barravento”, de Glauber Rocha.
A estreia nas telonas foi em 1960, no mítico “Bahia de Todos os Santos”. No clássico, “O Pagador de Promessas”, único filme brasileiro a ganhar a Palma de Ouro em Cannes, Pitanga aparece dançando capoeira em frente ao Templo do Santíssimo Sacramento para enfrentar o sistema e a hipocrisia da fé.
Do ponto de vista da história cinematográfica, há registros preciosos. Como cenas de filmes raríssimos, entre eles, “Trópico” (1969), do italiano Gianni Amico, e “Os Pastores da Noite” (1977), do francês Marcel Camus, ambos realizados no Brasil. E também momentos deliciosos, como os reencontros com antigas namoradas, destaque para a diva baiana, Maria Bethânia. “Nunca vi mais namorador do que este rapaz”, garante a eterna estrela da MPB.
Faltou em “Pitanga” apenas o depoimento da ex-mulher Vera Manhães, que vítima de problemas psiquiátricos, cedeu a guarda dos filhos ao ator nos anos 1980. Lembrada no filme de forma indireta, nas lembranças de quem conheceu o casal, a ex-modelo e dançarina de beleza selvagem que a filha Camila Pitanga herdou, tem sua presença preservada por se tratar de momento delicado para a família.
Como diria o dramaturgo e jornalista Nelson Rodrigues: “Toda família tem pântanos, cavernas que não convém desenterrar”.
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Avaliação: Ótimo