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Crítica: Oliver Stone escolhe um lado para falar sobre Lula em filme

Dirigido por Oliver Stone, o documentário Lula estreou em Cannes neste domingo (19/5) e aposta em uma visão particular do cineasta

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Imagem colorida do presidente Lula durante entrevista a Oliver Stone em documentário - Metrópoles
1 de 1 Imagem colorida do presidente Lula durante entrevista a Oliver Stone em documentário - Metrópoles - Foto: Reprodução

Cannes (França) – Para conhecer o alinhamento político de artistas, basta assistir à arte que criaram. O co-diretor de Lula, Oliver Stone, dirigiu Platoon e Nascido em 4 de Julho, em que criticou a Guerra do Vietnã; W., no qual debochou do ex-presidente George W. Bush; e Snowden: Herói ou Traidor, uma biografia do ex-funcionário da CIA que vazou documentos sigilosos que expuseram a espionagem norte-americana contra o Brasil. Não é preciso conhecer matemática avançada para concluir, portanto, qual é o objetivo do realizador e do estreante Rob Wilson com este documentário sobre o presidente brasileiro, Luiz Inácio Lula da Silva.

Pelo contrário, desde o início da narrativa, quando discutem a Onda Rosa, o termo pelo qual ficou conhecida a eleição de políticos alinhados à centro-esquerda na América Latina (ex. Hugo Chávez, Evo Morales, os Kirchner etc.), Oliver e Rob são honestos quanto à parcialidade do retrato que farão de Lula. Não há nada de errado no documentário ser parcial, contanto que assuma isso e e não induza o público a pensar o contrário.

Até porque documentários são recortes da realidade a partir do ponto de vista do artista, ainda que a espinha dorsal seja factual. Assim, a proposta de Lula não é expor ambos os lados do espectro político contemporâneo, mas o lado em que a dupla de diretores acredita.

É um retrato para gringo assistir, digamos assim, pois os pouco mais de 90 minutos não proporcionam nada, ou praticamente nada de novo sobre Lula. Além do mais, a duração exige a compactação de mais de 7 décadas de história no documentário. O presidente chora a morte da ex-esposa, Marisa Letícia, em não mais do que um minuto, antes de passar a aspecto outro que os diretores consideram ser relevante.

A narrativa é organizada em torno da entrevista de Lula, realizada antes da eleição, e entrecortada com imagens de arquivo que levam o espectador à Caetés, em 1945, local e data onde Lula nasceu, filho de uma mãe analfabeta, tendo conhecido o pai só aos 7 anos, após seu retorno de São Paulo. Aí a trama a engrena, Lula torna-se sindicalista, funda o Partido dos Trabalhadores, é derrotado em 3 eleições antes de ser eleito presidente por dois mandatos, elege a sucessora, é investigado, julgado, condenado, preso, é solto da prisão, disputa e vence a eleição de 2022. Os acontecimentos parecem caixas de marcação que a direção usa para dar a dimensão histórica e factual do presidente, embora haja aprofundamentos.

Tal escolha é perceptível em relação à Operação Lava Jato. Parece ser compreensível, pois a tese que estrutura o documentário é a de que os Estados Unidos interferiram na democracia de países da América Latina — tal como fizeram no século passado, nas ditaduras militares — como retaliação pelo não ingresso na Alca (Acordo de Livre Comércio nas Américas). Aliás, o conhecimento de Oliver Stone a respeito de Edward Snowden parece ajudar o co-diretor a trilhar, com profundidade, este caminho. Por falar nos EUA, é até inusitado Lula explicar que teve uma relação comercial melhor com o republicano George W. Bush do que teve com o democrata Barack Obama, a despeito do alinhamento noutras pautas.

A concisão do documentário faz com que a narrativa apague eventos capitais para compreender a história sociopolítica contemporânea: o Mensalão sequer é citado e, antes que apareçam aqueles levantando o dedo a este respeito, a narrativa também não dedica vírgula sequer ao alinhamento, desalinhamento e realinhamento político de Sérgio Moro a Jair Bolsonaro, à alegação de supressão de votos no Nordeste ou à não aceitação do resultado político, que levou a eventos semelhantes aos havidos no Capitólio norte-americano.

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Lula durante evento das centrais sindicais na arena Corinthians
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Diretor vencedor do Oscar finaliza documentário sobre Lula

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Lula durante evento das centrais sindicais na arena Corinthians

Ricardo Stuckert / PR
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Presidente Lula

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O documentário também não explora o quanto poderia alguns depoimentos de Lula, como o que o presidente afirma: “Eu nunca gostei de política, eu nunca gostei de sindicato” ou “Graças a Deus, não fui comunista”. A propósito, a direção não está lá preocupada em compreender as particularidades políticas brasileiras, e resume bem resumido o motivo que levou à eleição de Lula para o primeiro mandato em somente um desejo do empresariado, sem procurar compreender melhor o pragmatismo que lhe exigiu ou o fisiologismo da política brasileira.

Tampouco houve tempo, acredito, ou até intenção, para revisitar, à luz de eventos contemporâneos, o hacker Walter Delgatti – que vazou as conversas da Lava Jato que demonstravam possível conluio entre Judiciário e Ministério Público – ou o jornalista Glenn Greenwald, tão essenciais para o documentário.

Talvez porque o documentário ambicione a construção do arco dramático heróico de um homem que saiu da extrema miséria do interior nordestino e do proletariado para se tornar o presidente da maior economia da América Latina. Isto é melhor retratado nos momentos finais, quando a eleição entre Lula e Bolsonaro é apresentada como uma virada emocionante, e não uma consequência da apuração das eleições por região.

Oliver Stone e Rob Wilson revelam isto no momento em que Lula confessa a certeza de que jamais poderá se aposentar da política e dedicar-se à família, o tipo de sacrifício pessoal que só os heróis costumam fazer.

Lula não é heróico. É um político com falhas e incoerências, iguais a todos nós. Mas ao menos este retrato, diferente de tantos que fingem ser imparciais, é sincero para que possa ser julgado pela admiração da dupla de diretores.

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