Crítica: O Processo é lembrete oportuno sobre jogo de poder no Brasil
Filme se concentra em debates da defesa e da acusação da ex-presidente Dilma Rousseff durante o processo de impeachment
atualizado
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Do lado direito da Esplanada dos Ministérios, pessoas de verde e amarelo, com camisas da CBF, gritando o orgulho de serem brasileiros. À esquerda, depois do bloqueio policial, manifestantes vestidos de vermelho, com bandeiras de partidos e cartazes de apoio à Dilma Rousseff. A primeira cena de O Processo, documentário escrito e dirigido por Maria Augusta Ramos, situa o expectador no clima de divisão que impera sobre o país desde a eleição de 2014.
O filme acompanha de perto todo o processo do impeachment de Dilma, desde o momento em que Eduardo Cunha, à época presidente da Câmara dos Deputados, aceitou a denúncia contra a então presidente. O foco é no embate de três pilares: a defesa, a acusação e os relatores da Comissão Especial do Impeachment (CEI). Com uma proximidade muito maior aos pares da ex-chefe do Executivo, o filme assume um posicionamento firmemente contrário à saída da petista.Não que as outras forças de poder não tenham seu espaço. O filme se concentra, em diversos momentos, nas atitudes e reações da senadora Gleisi Hoffmann (PT-PR) e do então advogado-geral da União, José Eduardo Cardozo, em contraponto a cenas com o senador Antonio Anastasia (PSDB-MG) e a advogada Janaína Paschoal, chefe da acusação contra a presidente.
Janaína é um espetáculo de comicidade à parte. A diretora retrata não só falas notórias da advogada, como a defesa de que a Constituição Federal deve ter status de religião, mas captura momentos espontâneos com maestria: antes de discursar, ela fazia alongamentos enquanto os petistas à sua volta estudavam o processo. A escalada da graça do personagem atinge seu ápice na cena da advogada lendo documentos atentamente enquanto bebe um toddynho.
A direção retrata figurinhas carimbadas do processo, como os senadores Lindbergh Farias (PT-RJ) e Ronaldo Caiado (DEM-GO), mas, na medida do possível, se concentra nas mulheres envolvidas na história. Kátia Abreu (PDT-TO), Fátima Bezerra (PT-RN), Vanessa Grazziotin (PCdoB-AM), Maria do Rosário (PT-RS), Jandira Feghali (PCdoB-RJ) e, é claro, Dilma Rousseff. Elas têm suas vozes ouvidas em reuniões particulares e pronunciamentos públicos.
Diante de um processo que até mesmo a cúpula do Partido dos Trabalhadores sabia do resultado, o espectador se vê confuso. Por que continuar? A diretriz é clara nas cenas das reuniões do Bloco de Apoio ao Governo da CEI, bem como nos diálogos de Cardozo com seus assessores: não se podia mudar o curso da história, mas era possível falar das inconsistências do processo.
Entre reflexões muito lúcidas sobre as falhas dos governos PT e a ingovernabilidade de Dilma, uma cena é de assombrar: quando se levanta em 2016 a hipótese de uma prisão de Lula e o impedimento de o petista se candidatar a presidente novamente. Com o final do documentário, uma mensagem clara: para a diretora, o processo do impeachment começou com Eduardo Cunha aceitando a denúncia contra Dilma e se encerra na prisão de Lula.
Avaliação: Ótimo