Crítica: O Primeiro Homem mostra a trajetória da humanidade à Lua
História real sobre o astronauta Neil Armstrong é melhor do que qualquer ficção espacial
atualizado
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Algo divino ocorre logo na primeira sequência de O Primeiro Homem, em que Neil Armstrong (Ryan Gosling) está tentando perfurar a atmosfera terrestre dentro de um jato do governo americano. Sozinho, ele avista o limite entre a terra e o espaço, a luz e a escuridão, o descoberto e o desconhecido. Como em várias outras sequências do filme, o piloto e engenheiro não diz nada, só olha, contempla e age. Em contraste, algo trágico acontece na segunda sequência do filme. Por mais que busquemos explorar mais, ir mais longe, o limite do homem é sempre a morte. É com a cabeça nas alturas e o pé à beira da cova que Damien Chazelle, vencedor do Oscar por La La Land, situa seus personagens e sua história.
O filme não é uma biografia. Não do homem, pelo menos, mas, sim, de um feito: a ida do homem à Lua, projeto promovido pelo presidente John F. Kennedy em 1961. Armstrong completaria a jornada 8 anos depois, e não vemos nem sua infância e nem o resto de sua história após o retorno. A vida de Armstrong neste período está dividida entre sua casa, onde mora com Jan (Claire Foy) e seus dois filhos, e o centro de treinamento, onde convive com Buzz Aldrin (Corey Stoll), Ed White (Jason Clarke), Mike Collins (Lukas Haas) e o lendário Gus Grissom (Shea Whigham).
De certa forma, Chazelle uniu seus dois filmes prévios para montar este. De um lado, a precisão, a pressão e a missão de vida de Whiplash. Por outro, o desgaste e a tensão que isso causa num relacionamento, como foi em La La Land. O Primeiro Homem não é um filme sobre o espaço, mas, sim, sobre o ser humano. Assim, é um refresco em uma época que filmes espaciais flutuam na mediocridade (como Vida, Passageiros e Alien: Covenant).
Em termos técnicos, o filme é excelente, com fotografia, trilha e montagem, já óbvias concorrentes ao Oscar. Damien Chazelle resolve inovar, e parece mudar seu estilo de direção. Ele abandona os planos milimetricamente coordenados, com uma câmera estável, para enfatizar os close-ups, os planos-detalhe e a turbulência dos voos. Em vários momentos, ele situa a imagem no ponto de vista do astronauta, algo não visto em seus outros filmes. Ryan Gosling é a escolha perfeita de interpretação. Focado e de poucas palavras, seu Neil é levemente curvado para frente, como se seu balanço dependesse de movimento para frente.
Quem merece tanto destaque quanto o diretor e os atores é o roteirista Josh Singer (Spotlight). Suas cenas têm o mínimo de diálogo explicativo possível, e o silêncio é tão importante quanto o diálogo, especialmente por se tratar de um filme com grande foco na mortalidade. O espectro da morte é raramente verbalizado, mas ele sempre aparece, seja num balanço vazio, num copo quebrado ou num olhar preocupado. Como em poucas vezes vimos antes, a esposa do personagem principal existe não só como um poço de reclamações e de histeria mas como alguém empenhada no melhor para sua família.
Como não se trata de um spoiler que a missão é bem-sucedida, a sequência sobre a superfície lunar é a mais fascinante desde 2001: Uma Odisseia no Espaço (1968), de Stanley Kubrick. Frugal e poética ao mesmo tempo, silenciosa e contemplativa, retrata a solidão do ser humano, junto com sua insignificância perante o universo. A vista da Terra, longe, evoca o famoso discurso “pálido ponto azul”, de Carl Sagan. Hoje em dia, as crianças não sonham mais em serem astronautas, um lamento histórico.
Epílogo
A viagem à Lua ocorreu em 1969, ao final de uma das décadas mais turbulentas da sociedade ocidental. O Primeiro Homem, por sua vez, aparece em 2018, um ano antes do final de outra década agressiva e violenta. Às vezes, pode parecer improvável que a humanidade conseguiu um feito dessa grandeza na ponta do lápis e com computadores menos potentes do que os dos nossos celulares. Tão mais incrível é o real defronte da ficção que tolos, cínicos em suas avaliações sobre a capacidade humana, dizem até hoje que foi tudo uma mentira. É preciso acreditar, ainda nos momentos mais desesperançosos, que somos capazes de algo como isso.
Neil Armstrong nunca se chamou de herói, preferindo mencionar sempre as 400 mil pessoas que tornaram a ida à Lua possível. Seu nome é conhecido, mas seu rosto não. A maioria não reconheceria uma foto sua ou saberia dizer algum outro detalhe de sua vida além de sua jornada. O primeiro homem a pisar na Lua faleceu em 2012, aos 82 anos de idade. Na primeira foto tirada após seu retorno à cápsula lunar, ele aparece exausto, mas feliz.
Avaliação: Excelente