Crítica: o grito de “Fora Temer” ecoa na tela do Festival de Brasília
Na competitiva de ontem (19/9) do 50º Festival de Brasília do Cinema Brasileiro, o grito de “Fora Temer!” saltou da plateia para a tela de projeção.Realizados no calor do momento do impeachment da presidenta Dilma Rousseff, um curta-metragem da Bahia e um longa do Paraná formaram um painel íntimo sobre a recente crise política brasileira. […]
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Na competitiva de ontem (19/9) do 50º Festival de Brasília do Cinema Brasileiro, o grito de “Fora Temer!” saltou da plateia para a tela de projeção.Realizados no calor do momento do impeachment da presidenta Dilma Rousseff, um curta-metragem da Bahia e um longa do Paraná formaram um painel íntimo sobre a recente crise política brasileira.
O bem humorado “Mamata”, de Marcus Curvelo constrói uma crônica de um desempregado em tempos de crise econômica, social e política. Arrancou risos soltos e aplausos em cena aberta dentro do Cine Brasília. Enquanto o longa-metragem “Construindo pontes”, de Heloísa Passos, narra a complicada relação da cineasta com seu pai, o engenheiro Álvaro Passos e leva para as telas de cinema o clima de conversas nos almoços de família.
Leia as críticas dos filmes da competitiva:
“Construindo Pontes”
Heloísa é diretora de fotografia e cineasta com inúmeros trabalhos no cinema brasileiro. Foi adolescente nos anos 1970/80, nos anos da ditadura militar. Como menina rica e superprotegida percebeu a opressão do regime ao tentar expressar suas ideias ou o desejo por outras mulheres dentro de casa. Mulher adulta e independente,a cineasta tenta se aproximar da figura paterna afastada pelas diferenças de ideologias.
Para tanto, a diretora revisita a casa da família no Paraná na intenção de registrar a complicada relação com seu pai, um engenheiro que participou ativamente de várias obras estruturais no período da ditadura e um entusiasta do desenvolvimentismo movido pelo governo militar.
A hierarquia de vozes é desigual no começo da projeção de “Construindo Pontes”, Heloísa utiliza as prerrogativas de diretora para desligar a câmera e o microfone e sobrepor narrativas de voice-over quando o discurso do pai a incomoda. “Eu não gosto de mim mesma quando estou perto do meu pai”, confessa em meio a narrativa.
Aos poucos, porém, esse desequilíbrio de vozes é balanceado à medida que Álvaro passa a discutir a sua própria representação dentro do filme. É quando a narrativa se abre para que ele também possa expressar sua visão de mundo, suas ideias políticas e sobre o desenvolvimento do país.
Inegavelmente, pai e filha têm naturezas opostas e é o choque destes contrários que preenche o cerne da película. Álvaro é racional, gosta de calcular a economia dos trens de carga no Brasil, enquanto Heloísa gosta de reparar na beleza da luz natural nos instantes que antecedem o pôr do sol. Em comum, ambos arrasam nas partidas de pingue-pongue.
Avaliação: Bom
“Mamata”
Joder (Marcus Curvelo) desistiu de 2017. Ele está desempregado e só tem nove meses de contribuição do FGTS para sacar. Vive num quarto e sala em Brasília, longe dos amigos da Bahia e da namorada que está fazendo mestrado nos EUA. A única forma de comunicação verbal é feita via internet pelo menos enquanto não cortarem a luz.
É na frente do computador que as angústias de um país sem rumo são despejados em comentários políticos de um personagem fanfarrão. Joder encontra consolo na voz do cantor Taiguara e parte do patriotismo perdido na apresentação do hino nacional, versão “desconstruída”, interpretado pela cantora Vanusa.
Com inteligência arguta, típica dos melhores comediantes, o ator/diretor Marcus Curvelo ridiculariza a falta de ação do povo brasileiro ao colocar um grito de “Fora Temer” ecoado repetidas vezes em meio a ruas vazias e indiferentes à situação política do Brasil. Cuidado: por trás desta pretensa leveza cômica desenha-se os rumos de uma tragicomédia brasileira com desfecho desastroso
Avaliação: Muito bom