Crítica: Marighella mira em Tropa de Elite para retratar ditadura
Em sua estreia como diretor, Wagner Moura aposta em uma fórmula repleta de cenas de ação e violência para fazer justiça a Carlos Marighella
atualizado
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No momento em que essa crítica foi publicada Marighella exibia medianos 6,5 na avaliação do público no IMDb. A nota, vale destacar, está longe de fazer jus ao filme, mas deixa claro o caráter político e histórico que a estreia em terras brasileiras ganhou em meio à atual polarização. Após dois anos de atrasos, causados por questões ligadas à Ancine, o longa chega aos cinemas do país nesta quinta-feira (4/11) sob muita expectativa e protestos — foram esses, aliás, que levaram a estreia de Wagner Moura como diretor a receber uma avalanche de pontuações negativas em sites especializados na última semana.
Era de se esperar que a história sobre o homem que por anos foi considerado “inimigo número um da ditadura militar” não fosse unanimidade ou elevasse Carlos Marighella ao status de heroi nacional. Mas a intenção de Wagner Moura parece ser mais realista: marcar sua estreia nos bastidores com um longa corajoso, capaz de colocar o dedo na ferida da nação e fazê-la questionar, pelo menos por alguns instantes, seus motivos para ainda flertar com a barbárie. Já é um feito e tanto!
Para isso, o diretor se inspira em José Padilha, resgatando a fórmula bem sucedida de Tropa de Elite, repleta de ação e cenas de violência. A estratégia fica clara desde o início, quando o Marighella aparece em um empolgante plano sequência com seus companheiros da Ação Libertadora Nacional, roubando um trem, e se confirma nas cenas de tortura, mais adiante.
É possível que, em certa altura, o espectador questione excessos nas cenas de emboscada e tortura – de fato, difíceis de assistir. Mas como cumprir a promessa de explicar a motivação de pessoas de todas as idades, profissões, gêneros e localidades do país para seguir Marighella sem mostrar as atrocidades a que eram submetidas? Seria como contar a história, outra vez, pela metade.
O propósito de apresentar um protagonista muito mais profundo do que sugerem os livros de história se torna êxitoso quando Seu Jorge surge mostrando o lado bem-humorado e família de Marighella. Em cenas exibidas logo nos primeiros minutos, o ator revela um protagonista simpático e amoroso, capaz de rir do próprio disfarce com companheiros de luta e de tomar banho de mar com o filho, antes de lhe aconselhá-lo a “cuidar bem das meninas”. Esse olhar romântico sobre a personalidade de Marighella, somada ao carisma do artista, trazem a leveza necessária para equilibrar a produção.
Bruno Gagliasso também merece destaque. O ator está impecável no papel do carrasco Seu Lúcio, personagem fictício, com claras referências a Sérgio Paranhos Fleury, policial do DOPS, líder da operação que resultou na morte de Marighella. Ao rol de boas atuações somam-se os desempenhos de Bella Camero, Humberto Carrão, Herson Capri, Luis Carlos Vasconcellos, Adriana Esteves e até mesmo de Maria Marighella, neta do guerrilheiro. Eleita vereadora por Salvador, Maria também é atriz e protagonizou uma das cenas mais emocionantes da produção, no papel da própria avó.
Quem já teve contato com a interessante biografia escrita por Mário Magalhães pode sentir falta de mais menções à personalidade estratégica de Marighella e ao seu talento como poeta. Isso, contudo, não diminui os méritos do longa, que marca os 62 anos da morte do personagem, dando a chance de seus filhos e netos contarem outra versão da história. Provavelmente, a verdadeira.
Pode até não virar blockbuster, mas mereceu ser aplaudido de pé em festivais pelo mundo, como o de Berlim, e merece a projeção que ganhou no Brasil, após tanto esforço para chegar por aqui. Seja ela para o bem ou para o mal.
Avaliação: Excelente