Crítica: Kardec é filme religioso em defesa do Estado laico
Ao retratar as perseguições que o educador e codificador do espiritismo sofreu, longa faz defesa ferrenha da laicidade das instituições
atualizado
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Das recentes produções sobre espiritismo no cinema nacional, Kardec talvez seja a mais palatável a leigos e religiosos. Dirigida por Wagner de Assis, a cinebiografia do codificador da religião é muito mais fácil de compreender e de acompanhar que seu outro longa sobre o assunto, Nosso Lar (2010).
A história de como o professor foi do ateísmo à convicção nos espíritos é uma bela amostra de que é possível falar de Estado laico ao mesmo tempo em que se mostra, de maneira poética, uma religião. Assis não esconde as perseguições que Léon Rivail, o Allan Kardec (Leonardo Medeiros), sofreu da Igreja Católica na França pós-revolucionária, antes mesmo de conhecer o espiritismo.
Professor de escolas primárias, Rivail – o acadêmico francês adotou o nome depois de descobrir que se chamava Allan Kardec em uma vida passada – não aceitou ter suas aulas vigiadas pelo ensino religioso fomentado pelo governo. Ateu convicto em uma Paris embevecida pelas mesas girantes, ele se dedicou a estudos sobre o espiritismo que culminaram em escritos cruciais para a religião, como o Livro dos Espíritos e o Livro dos Médiuns.
Com cenas externas gravadas em Paris e internas realizadas no Rio de Janeiro, o longa se fia à iluminação como linguagem: os estudiosos do espiritismo aparecem sempre à luz, mesmo em cenas noturnas em uma ambientação de luz de velas. As forças contrárias aos que acreditam nos espíritos – desde padres da Igreja Católica até parisienses que acreditavam que as médiuns eram bruxas – aparecem à sombra.
O longa mostra como a perseguição religiosa pode ser danosa, e, mesmo sendo uma obra sobre um credo, é uma grande defesa da laicidade do Estado e da educação. O roteiro também traz questões urgentes como a liberdade de expressão, direito negado a Kardec, que teve seus livros queimados em praça pública.
O filme ainda faz uma defesa apaixonada da vida. Ao tentar dissuadir o suicida Capitão (Christian Baltauss), Kardec aponta: se ele morrer, vai reencarnar e deverá voltar a encarar os mesmos problemas de sempre. Não há sentido no ato, por essa perspectiva.
A relação mais preciosa, nesta história, é a de Kardec com sua esposa, Amélie Gabrielle (Sandra Corveloni). Apresentada como uma mulher dona de si e muito parceira do marido, ela é o lado poético e sonhador do filme. Corveloni e Medeiros conseguiram conferir uma química muito bonita entre o casal, passando a ideia de que aquele era um raro (para a época) casamento feliz.
Avaliação: Bom