Crítica: “Feito na América” é retrato dos excessos dos anos 1980
Tom Cruise volta a trabalhar com Doug Liman (“No Limite do Amanhã”) em biografia de piloto que aproveitou anomalias do poder para enriquecer
atualizado
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Formatado como comédia de ação sobre os loucos anos 1980, “Feito na América” retorna à década perdida para trazer à tona a vida inacreditável (digna de cinema mesmo) de um sujeito que aproveitou brechas e anomalias geopolíticas daquela época para construir um império particular.
Antes de arranhar os céus a bordo de caças na sequência de “Top Gun” (2019), Tom Cruise encarna Barry Seal, um piloto que abandona a rotina quase turística (mas modorrenta) da aviação comercial em busca de voos mais altos (e arriscados).
Uma porção de fitas em VHS, gravadas em quartinhos de motel, aos poucos narra uma história passada entre 1978 e 1986. Certo dia, Seal é abordado por Schafer (Domhnall Gleeson), agente da CIA. Que tal servir à pátria sobrevoando países da América Central influenciados por ideias comunistas e fazendo fotos aéreas de tropas consideradas inimigas da democracia?
Obviamente, não é sem ironia que o diretor Doug Liman (do recente “Na Mira do Atirador”) observa a política externa americana nos anos 1980. Após matar e reviver Tom Cruise sucessivas vezes na ficção científica “No Limite do Amanhã” (2014), ele adota câmeras subjetivas e linguagem amadorística para se infiltrar em situações das mais absurdas.
American way of life na década perdida
Oportunista incurável, Seal aproveita as viagens secretas para se associar ao cartel de Medellín, a organização criminosa chefiada por Pablo Escobar e outros narcotraficantes colombianos. Entre idas e vindas, o piloto também serve de “interlocutor” do governo americano na Nicarágua: levando armas para que os Contras lutem contra o comunismo dos sandinistas.
E assim, servindo a tantos deuses (ou melhor, diabos), Seal constrói uma vida de riqueza que literalmente não cabe em malas de dinheiro. Sem supervisão, monta um esquadrão para incrementar os contrabandos (de armas e drogas) e cria um paraíso luxuoso para a família em Mena, cidadezinha no interior do Arkansas.
Mais divertido descrito do que visto, “Feito na América” aciona a obsessão nostálgica pelos anos 1980 de formas espertas, quase sempre apelando para o cartum: montagens febris com discursos do então presidente Reagan e seus grandes momentos no cinema e um especial interesse na granulação das imagens de VHS, ora via arquivo, ora reconstituídas por meio de filtros.
A ideia de Liman parece ser uma espécie de flagrante de época em forma de cinebiografia. Mas sempre que o filme amplia seu escopo para além de Seal, a narrativa dilui suas intenções anárquicas e se aproxima de uma mera “história oficial descortinada”.
Avaliação: Regular