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Crítica: “Era uma Vez Brasília” vê Brasil como distopia do presente

Os curtas “Chico” (RJ) e “Carneiro de Ouro” (DF) também movimentaram a noite mais lotada do 50º Festival de Brasília nesta sexta (22/9)

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1 de 1 era-uma-vez-brasília_adirley-queirós_cred-joana-pimenta-33 - Foto: Joana Pimenta/Divulgação

A penúltima sessão de mostra competitiva do 50º Festival de Brasília foi também a que mais lotou os assentos, corredores e escadas do Cine Brasília durante a noite desta sexta (22/9). Foco das atenções do público, “Era uma Vez Brasília”, de Adirley Queirós (“Branco Sai, Preto Fica”), revelou uma ficção científica distópica ambientada no Brasil de hoje.

Antes do longa, “Carneiro de Ouro”, de Dácia Ibiapina, outra produção do DF selecionada no segmento principal, visita Picos, no interior do Piauí, para conhecer o cineasta autodidata Dedé Rodrigues. Em “Chico” (RJ), os irmãos gêmeos Eduardo e Marcos desestabilizam os clichês do favela movie ao emprestarem elementos de fantasia ao realismo da trama.

Leia críticas dos filmes exibidos nesta sexta (22/9) na mostra competitiva:

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“Era uma Vez Brasília” (DF): entre distopia e performance
Os ruídos dizem tudo em boa parte de “Era uma Vez Brasília”, terceiro longa de Adirley Queirós. O metrô rasga os trilhos enquanto nossos heróis, Andréia, Marquim do Tropa e WA4, um renegado do espaço após lotear ilegalmente terras em seu planeta, fumam um cigarro atrás do outro numa passarela.

Em outra cena particularmente saída de uma ficção científica espacial e minimalista, especialidade de Queirós, um cadeirante com uma máscara de metalúrgico vê e ouve a votação do processo de impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff in loco, no gramado da Esplanada dos Ministérios.

A realidade irresistivelmente absurda parece suplicar para ser visualizada como distopia no cinema. E Queirós não tem dúvidas quanto a isso. Basta aliar pronunciamentos de Dilma e Temer à desolação urbana fornecida pelos amplos espaços negativos de Brasília. Com uma encenação futurista mais crível do que a estruturada em “Branco Sai”, o primeiro ato de “Era uma Vez” é qualquer coisa de brilhante.

Destacado para matar Juscelino Kubitschek no dia da inaguração de Brasília, WA4 perde-se nas manobras do espaço-tempo. Enquanto não desaba (literalmente) em 2016, o primeiro ano da era P.G. (Pós-Golpe), nosso Han Solo tenta ajustar o percurso de uma nave sucateada: chiados de rádio, estalos metálicos, faíscas do hiperespaço, baforadas de cigarro e, ah sim, um churrasco improvisado porque ninguém é de ferro.

Queirós edifica seu filme mais rigoroso e enigmático nessa sinfonia dissonante chamada Brasil. Para usar um referencial óbvio mas útil, é um “Mad Max: Estrada da Fúria” filtrado pela artesania minimalista do cinema arthouse feito na periferia. Não espere uma narrativa de ações, mas de postura: agora um quarteto com Franklin, o grupo de heróis vê, imóvel, um carro consumido pelas chamas até virar carcaça.

Há um tanto de performance política nessa recusa a uma filiação mais direta com o cinema de gênero. Assim que o filme se torna terreno, Queirós combina um registro das luzes fugidias da vida na periferia (a família de Andréia, o show de rap de Marquim) com sugestões nem sempre certeiras de uma soap opera de recrutamento intergaláctico: temos vagas abertas para o exército que pretende derrubar Temer e seus déspotas e recolocar o país no trilho da democracia.

Enquanto “Branco Sai” é franco e explosivo, “Era uma Vez Brasília” se refugia num hermetismo desencantado, por vezes harmonioso e sisudo em demasia, para refletir sobre o desespero do presente. Não por acaso, Andreia, Marquim e WA4 olham para a plateia no último plano. O amanhã, talvez medonho demais até para a ficção, se constrói aqui fora.

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“Chico” (RJ): a renovação do favela movie
Rio de Janeiro, 2029. Num claro diálogo com “Branco Sai, Preto Fica” (2014) — os irmãos Carvalho confessaram a influência logo na apresentação do curta –, “Chico” consegue desestabilizar os clichês do favela movie por meio da fantasia.

Chico completa mais um ano de vida justamente no dia em que o governo aprovou uma lei de ressocialização preventiva. Em miúdos: as crianças faveladas serão presas por serem consideradas criminosos em potencial, como num “Minority Report” ainda mais arbitrário.

Com uma direção de arte mínima, mas crível, os irmãos Carvalho espertamente recorrem a fartos planos longos para instalar atmosfera de distopia num mundo onde só existe dor, perda e desencanto. Até que Nazaré, mãe de Chico, decide fabricar uma pipa e nela fixar o filho. O voo da liberdade autorizado pelas possibilidades da fabulação.

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“Carneiro de Ouro” (DF): o Spielberg do Piauí
Dedé Rodrigues cria bodes e trabalha como pintor em Picos, no interior do Piauí. Esse mesmo senhor tem uma lucidez artística desconcertante. Criou uma trilogia chamada “Cangaceiros Fora de Tempo”. Nela, entre outras coisas, ele desmistifica a figura do jagunço e coloca uma delegada como defensora da justiça.

O curta de Dácia Ibiapina revela uma estrutura simples, dividida em entrevistas (sempre frutíferas) com Dedé e atores de seus filmes e trechos das aventuras assinadas pelo “Spielberg do Piauí”, encharcadas de efeitos especiais amadores, toscos e simpáticos. Lá pelas tantas, Dedé aos poucos se revela como um diretor de ambição.

Não quer ficar conhecido como “o cineasta dos cangaceiros” — apesar das pressões populares por continuações. Nem autor de filmes de ação passados na secura do sertão. Quer filmar sob climas menos áridos, explorar outros temas em produções como “O Sanfoneiro que Toca no Inferno”. Por pura convicção e prazer. Dedé talvez seja o cineasta em atividade mais feliz do mundo.

Avaliação: Bom

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