Crítica: “Bingo: Rei das Manhãs” usa Bozo em louco retrato dos anos 80
Longa de estreia de Daniel Rezende (montador de “Cidade de Deus”) narra a trajetória de Arlindo Barreto, um dos intérpretes do palhaço
atualizado
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“Bingo: O Rei das Manhãs” mostra ascensão e queda de um dos intérpretes do palhaço Bozo na televisão nacional. Existe algo mais Brasil anos 1980 do que Gretchen (Emanuelle Araújo) de vestido curto cantando “Conga Conga Conga” em rede aberta logo de manhã?
Inspirado na trajetória do ator Arlindo Barreto, o filme reconstrói fragmentos da cultura pop nacional oitentista a partir de Bingo (nome utilizado por questão de direitos autorais, já que o personagem é criação americana), animador da criançada nas primeiras horas do dia.
Entre um programa e outro, o ator Augusto Mendes, baseado em Barreto e interpretado com selvageria e docilidade por Vladimir Brichta, cheira carreiras de cocaína no camarim, enche a boca para dizer palavrões e sacanagens e vive os delírios de um cotidiano sob os holofotes.
A direção ágil do estreante Daniel Rezende, indicado ao Oscar pela montagem de “Cidade de Deus” (2002), permite que o filme funcione tanto como biografia (o que menos interessa) de Barreto, das pornochanchadas à liderança de audiência na SBT (TVP no filme), quanto retrato febril, divertido e algo melancólico dos excessos dos anos 1980 (o que mais interessa).
Entre retrato de tempos malucos e compromissos biográficos
Diante de um personagem que é a pura celebração do prazer imediato, capaz de trocar o aniversário do filho por uma noitada, Rezende traduz esse hedonismo vazio tanto na dinâmica de Mendes com Lúcia (Leandra Leal), diretora do programa e evangélica que ignora as provocações de Bingo, quanto em cenas extravagantes, mas úteis à narrativa.
Na melhor delas, Mendes tem uma crise existencial, esmurra a TV de tubo com um troféu que acaba de ganhar e vê seu pulso direito sangrar. A câmera passeia pelo apartamento dele em São Paulo, sai pela janela e o reencontra num leito de hospital.
“Bingo” perde força cada vez que sai do flashback maluquinho e precisa cumprir compromissos biográficos. É quando, na derradeira meia hora, o filme vira um perfil convencional com necessidade de desfecho, sem falar nas cartelas explicativas sobre Barreto antes dos créditos finais.
Mas “O Rei das Manhãs”, ao contrário da maioria das medrosas cinebios nacionais, é um filme que pelo menos ambiciona quebrar o molde e esboçar algo um tantinho mais anárquico.
Avaliação: Bom