Crítica: Baby valoriza afeto e resistência no universo queer do Brasil
Marcelo Caetano apresenta, Baby, seu segundo longa-metragem da carreira, na Semana da Crítica em Cannes. Filme ressalta afeto LGBT
atualizado
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Cannes (França) – Após sete anos do lançamento de Corpo Elétrico, que circulou em festivais, Marcelo Caetano apresentou, Baby, seu segundo longa-metragem da carreira, na Semana da Crítica – o mesmo evento que, há dois anos, apresentou Aftersun. A história tem início após Wellington (João Pedro Mariano) deixar o reformatório, em que foi institucionalizado por cerca de dois anos, e permanecer sem lar em São Paulo, pois os pais mudaram sem aviso prévio. Ele, então, conhece Ronaldo (Ricardo Teodoro) e inicia um relacionamento aberto, relativamente, e que envolve também o auxílio na venda de drogas.
Marcelo Caetano trata a relação com afeto, ainda que haja uma diferença etária que não deveria passar despercebida, até pelo fato de o apelido de Wellington dado por Ronaldo ser Baby. De certa maneira, o protagonista parece estar à procura da figura paterna, até para relevar o preconceito do pai, ex-policial militar. Mas o amante é mais do que uma alternativa paterna, mas quem qualifica, pelo carinho, o olhar do público para Baby. E a atuação de Ricardo Teodoro valoriza muito o personagem, ilustrando ainda o ciúme de um jeito não sórdido, mas melancólico.
A relação deles é só o ponto de partida para compreender o tratamento de Marcelo Caetano em relação à comunidade queer. A direção não perpetua a marginalização revelada na precariedade ilustrada na direção de arte e nos bairros em que o núcleo narrativo está inserido. Ao invés disso, o cineasta devolve com afeto, e, neste sentido, devo recordar de Tatuagem – um expoente nacional no cinema queer – na maneira com que os personagens formam uma rede familiar de cumplicidade. Baby e Ronaldo também têm a assistência das personagens interpretadas por Ana Flávia Cavalcanti – que interpreta a mãe do filho de Ronaldo – e Bruna Linzmeyer.
O mais admirável do roteiro co-escrito por Gabriel Domingues é a sua maturidade. Baby não deseja reencontrar o pai porque este também não quer vê-lo, e não há um anseio em desfazer, falsamente pela dramaturgia, o preconceito paterno.
O pai só é feito presente na narrativa para desatar um nó – de um conflito que é inserido sem a naturalidade com que o restante da narrativa é desenvolvido. Baby tampouco é uma obra afirmativa em termos identitários – nada de errado em sê-lo, a propósito –, mas de resistência, em que a comunidade queer sobrevive com dignidade sem perder a alegria e do jeito que é possível.
Em tempos em que nudez e sexo são objeto de crítica da geração contemporânea e conservadora, Marcelo Caetano não receia em introduzir os instantes de intimidade entre os personagens quando entende oportuno na narrativa. As cenas integram-se à narrativa como os elementos que a definem, dentro de uma preocupação estética maior de estabelecer a atmosfera e o meio onde os personagens habitam, no lugar de resolver este ou aquele conflito narrativo.
Entenda: o conflito é importante, é só que o de Baby é mais interno do que externo, é o amadurecimento revelado na festa de 19 anos, é a compreensão de quem é e a identificação de quem, de fato, integra a sua família. Não por sangue, mas por afeto.