Crítica: Babenco é transposição de um ser humano em arte
Documentário em que Bárbara Paz estreia na direção será o representante do Brasil no Oscar 2021
atualizado
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Qual a diferença entre um homem e seu trabalho? O documentário de estreia da diretora Bárbara Paz mescla homem, atividade profissional, paixão e vivência em um retrato de Hector Babenco, diretor nascido na Argentina que se firmou como um titã do cinema brasileiro. A própria mortalidade do diretor, que nos deixou em 2016, é exposta em cenas do tratamento de câncer pelo qual ele passou. Diagnosticado com a doença logo após o sucesso de O Beijo da Mulher Aranha, em 1985, ele resistiu e perdurou, contra todas as previsões médicas.
Em uma das cenas mais provocantes de Babenco, ele e Willem Dafoe discutem as motivações e intenções do personagem Diego Fairman no filme Meu Amigo Hindu. Diego é um diretor de cinema, com câncer, que está prestes a morrer. Babenco fala com propriedade, afinal é um retrato dele mesmo, mas Dafoe disputa vigorosamente a posse de Diego, reclamando que as instruções não fazem sentido para o personagem que ele encarna.
O filme segue um formato ousado e ensaísta, que alienará o espectador comum, mas empolgará quem acompanhou a filmografia do diretor. Não existem aqui entrevistas, depoimentos ou texto – apenas a confluência de imagens e sons. Diálogos de suas películas ecoam sobre cenas de sua vida e reflexões pessoais soam nas montagens de seus filmes comerciais (alguns montadores deste filme são Eduardo Escorel e Cao Guimarães). Intacta, pareceu, está uma de suas cenas mais potentes, de Pixote – a Lei do Mais Fraco, em que a prostituta vivida por Marília Pêra dá o seio para o jovem mamar, mas depois o repreende, numa tentativa de rejeitar seu próprio trauma.
Entre trechos do filme Carandiru, um rápido corte para uma entrevista na qual Babenco afirma que já foi preso: “Eu sei o que é estar recluso”. Suas conversas com Bárbara indicam que ele apoiou a realização do documentário. Um jantar com atores e atrizes aparece, mas sem som. O que significaria ouvir as conversas que ali aconteceram?
Não importa, porque o que estamos a ver aqui não é exatamente uma biografia, ou uma homenagem, mas sim a transposição de um ser humano em cinema, em arte. Em uma época quando a ficção científica imagina fazer o upload de um ser humano na nuvem, Bárbara Paz o fez para a tela de cinema. Em outro momento, Babenco confessa: “Eu queria, porque eu queria, que muitas pessoas sintam a minha falta”. Com Babenco – Alguém Tem Que Ouvir o Coração e Dizer: Parou, a dor da perda diminui.
Avaliação: Ótimo