Crítica: A Música da Minha Vida é tributo pessoal a Bruce Springsteen
Filme baseado nas memórias do jornalista Sarfraz Manzoor narra angústias e sonhos de garoto de origem paquistanesa e seu culto ao The Boss
atualizado
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O filme A Música da Minha Vida (Blinded by the Light, em inglês) se passa em Luton (na Inglaterra, a 50km de Londres), nos anos 1980, e acompanha um adolescente, 16, aspirante a escritor às turras com o pai conservador. Descobre novo jeito de enxergar o mundo ao ouvir as canções de Bruce Springsteen, The Boss, o crooner roqueiro de letras tão intimistas quanto sociais.
A julgar pelo título em português – o original remete a uma das faixas do primeiro disco do homenageado, Greetings from Asbury Park, N.J. (1973) –, o longa tenta conversar com fãs do Boss e não convertidos. Um filme, em linhas gerais, sobre o poder universal da música e o efeito terapêutico, edificante, irresistível de um disco, uma música, um verso na vida de uma pessoa – seja ela de Luton ou Brasília.
Os tristes anos 1980
Justiça seja feita, A Música da Minha Vida mais abraça do que evita esses lugares-comuns. Javed Khan (Viveik Kalra), garoto inspirado nas experiências e no livro do jornalista Sarfraz Manzoor, também corroteirista do filme, reúne todos os elementos possíveis de loser oitentista: virgem, meio solitário, poeta, tímido, CDF.
O melhor amigo, Matt (Dean-Charles Chapman), sugere contato, digamos, com a “normalidade”: cara boa pinta e líder de uma banda de synth-pop. Javed ainda carrega consigo as angústias de ser filho de imigrantes paquistaneses no thatcherismo, com desemprego e recessão em alta.
Vozes neonazistas veem nele (e outros “de fora”) alvos preferenciais de virulenta agenda racista. Sair de Luton parece a única saída para um adolescente oprimido em casa pelo pai, Malik (Kulvinder Ghir), e na rua por jovens com tatuagem de suástica.
Gurinder Chadha, diretora inglesa nascida no Quênia e de origem indiana, acerta a mão toda vez que o filme pede certa autenticidade cultural para tratar de complexas relações familiares. Para um ocidental, talvez, bastaria sair de casa e pronto. Mas não é bem assim com Javed, forçado o tempo todo pelas circunstâncias a opor desejos pessoais à difícil situação financeira da casa. As raízes importam, sim, ainda que também o aprisionem.
À procura de voz própria
A música de Springsteen, indicada pelo único colega oriental da escola, Roops (Aaron Phagura), forja a ponte de que Javed tanto precisava para se comunicar com o mundo – incluindo a família, descobrirá ele no terço final da história. As orientações da professora de inglês, Clay (Hayley Atwell, a Peggy Carter do Universo Marvel), o colocam de vez na estrada dos sonhos.
Chadha, no entanto, derrapa sempre que didatiza os efeitos do Boss na trajetória do Javed. Nada sugere mais ingenuidade do que um garoto com fones de ouvido acompanhado por versos saltitando pela tela, passeando pela cabeça, invadindo o quarto. Projeções em paredes só pioram as já parcas encenações musicais.
As tentativas de verter momentos do cotidiano de Javed em sequências musicais ao lado de Roops e da namorada do protagonista, a ativista política Eliza (Nell Williams), também soam no mínimo desengonçadas, apesar do inegável carisma do elenco principal.
Não deixa de ser irônico que um filme sobre um adolescente à procura de voz própria pareça tão sem personalidade. Ainda assim, A Música da Minha Vida ganha pontos pelo honesto retrato multicultural com o qual individualiza a universalidade de um artista atemporal, para todas as horas.
Avaliação: Regular