“Construindo Pontes” usa laço de família para debater política
Documentário da diretora estreante Heloisa Passos é o terceiro da mostra competitiva e passa nesta terça (19/9) com o curta baiano “Mamata”
atualizado
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A convulsão social vivida pelo Brasil nos últimos anos permeia os dois filmes que serão exibidos nesta terça (19/9), quarta noite de mostra competitiva no 50º Festival de Brasília. No longa “Construindo Pontes”, a diretora Heloisa Passos propõe um debate sobre polarização política ao se colocar no documentário ao lado do pai, Álvaro, que viveu época de fartura e prestígio durante a ditadura militar.
Desde 2002 dirigindo seus próprios curtas, Heloisa vê na carreira autoral um interesse pela “contradição de sentimentos”. Em “Construindo Pontes”, os laços emocionais com o pai misturam-se às angústias da cineasta em relação ao país. “A polarização impede o debate, em que pontes estão tão difíceis de serem construídas. O filme é o retrato desse vazio”, conta.
A paranaense assina seu primeiro longa após duas décadas como requisitada diretora de fotografia. Vários filmes brasileiros contemporâneos carregam imagens filtradas pelas lentes de Heloisa, como “Viajo Porque Preciso, Volto Porque Te Amo” (2009), “Lixo Extraordinário” (2010), indicado ao Oscar, “Amor?” (2011), que competiu no Festival de Brasília, e o recente “Mulher do Pai” (2016), pelo qual ganhou prêmio no Festival do Rio.
Leia entrevista com Heloisa Passos, diretora de “Construindo Pontes”:
Depois de anos de experiência como diretora de fotografia e autora de curtas, você desbrava histórias pessoais, familiares e também nacionais já no seu primeiro longa. De que maneira essa carga de trabalho a serviço de outros diretores te ajudou na composição do filme?
Gostei de “Construindo Pontes”. Realizando filmes, cada passo que eu dei para ficar mais perto de tudo que o cinema pode me proporcionar de alguma forma me autorizou a fazer o filme. Raul de Souza, Panmela Castro, Camila Amado, Passarinho (Birdie) e Karollyne são pessoas que retratei nos meus curtas.
De algum jeito, esses personagens têm em comum uma paixão e uma insatisfação com o nosso país. Eu me identifico muito com essa contradição de sentimentos. As diretoras e os diretores que eu trabalhei como diretora de fotografia me mostraram muitos caminhos e me deram muita segurança para eu me aventurar num filme pessoal onde estou na frente e atrás das câmeras.
Mesmo sem ter visto, percebo uma intensa relação do filme com o momento que vivemos atualmente no Brasil. O filme é permeado e contaminado por esse estado de coisas do país hoje?
O coração do filme são as conversas que traço com meu pai nos dias de hoje. Ele foi um engenheiro que teve seu tempo de glória no auge da ditadura civil militar no Brasil. Ele construiu estradas e pontes no mesmo período da construção da maior usina hidrelétrica do mundo, a de Itaipu.
A explosão do rio Paraná em 1982 para a construção da Usina, que mudou em definitivo o curso do rio, é um ponto de partida para pensarmos: quanto de destruição é necessária para construir algo? Ontem e hoje, o Brasil segue num mesmo pensamento: “Nada pode parar o progresso”. O Brasil de Itaipu e o Brasil de Belo Monte, o que mudou? O filme se inscreve de forma muito particular no momento em que estamos vivendo.
Outro aspecto interessante que imagino que esteja no filme é a possibilidade ou a impossibilidade de comunicação entre gerações que pensam diferente e têm ideias opostas. Como foi levar essa relação tão pessoal para o filme?
Um pai e uma filha, o conflito de duas gerações. A impossibilidade e a possibilidade de se relacionar com alguém que tem um ponto de vista diferente do seu. A aceitação de um com o outro. Quando uma filha resolve fazer um filme com o pai, e o pai esta disponível para fazer o filme, de alguma
forma estamos falando de afeto e dificuldade de relacionamento.
O filme constrói uma narrativa onde a explosão não é somente no rio Paraná, é também na casa do pai.
Li que o ponto de partida para o filme foram rolos de super 8 com imagens das Sete Quedas. É o cinema o único meio possível para tentar unir memória e presente, pai e filha?
Os álbuns de fotografia (álbuns de família) unem a memória e o presente. O cinema nos possibilita outros encontros. Existe uma câmera, então existe um encontro diferente da vida, é um encontro cinematográfico. Estou falando que somos personagens de nós mesmos diante de uma câmera.
Por exemplo, tem um momento do filme que eu repito várias vezes um mesmo plano com o meu pai, como se algo pudesse mudar, como se o cinema pudesse nos salvar da vida. É por isso que eu amo o cinema. Ele me oferece criar uma outra camada que não é a realidade.
O curta da noite: “Mamata”, filme sobre um ano angustiante
Diretor e ator, Marcus Curvelo não aguenta mais tanto sofrimento em 2017. Já no trailer, ele dá a sentença: “filmar para não morrer”.
Em 2016, Curvelo também competiu no Festival de Brasília. Ele participou da 49ª edição com o curta “Ótimo Amarelo”, em que ele interpreta um baiano que volta a morar em Salvador e se ressente das mudanças urbanas pelas quais a metrópole passou nos últimos anos.
Mostra Competitiva 50º Festival de Brasília do Cinema Brasileiro
Exibição do longa “Construindo Pontes” (PR, 72min, livre), de Heloisa Passos, e do curta-metragem “Mamata” (BA, 29min, 12 anos), de Marcus Curvelo. Terça (19/9), Às 21h, no Cine Brasília. Ingressos: R$ 12 e R$ 6 (meia).
Sessões simultâneas às 20h, no Teatro da Praça (Taguatinga) Espaço Semente (Setor Central – Gama), Teatro de Sobradinho e Riacho Fundo (em frente à Administração). Entrada franca.