Com mostra no CCBB, Michel Ocelot critica onda live-action da Disney
Cultuado diretor de animação, autor francês da trilogia Kirikou é homenageado com exibição de curtas e longas e do inédito Dilili em Paris
atualizado
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Diretor de animação celebrado por traços autorais em meio ao mercado de blockbusters, o francês Michel Ocelot, de 75 anos, é homenageado no circuito de CCBBs (Centro Cultural Banco do Brasil) com mostra reunindo curtas e longas, sob curadoria de Fábio Savino. A programação em Brasília começa nesta terça-feira (24/09/2019) e segue até 6 de outubro, com entrada gratuita.
Além da conhecida trilogia formada por Kirikou e a Feiticeira (1998), Kirikou e os Animais Selvagens (2005) e Kirikou, os Homens e as Mulheres (2012), a mostra exibe o mais recente título do realizador: Dilili em Paris (2018), desenho ambientado na Belle Époque e ainda inédito no circuito comercial de cinema.
Em entrevista ao Metrópoles (leia abaixo), o cineasta detalha processo criativo e faz críticas à onda de produções live-action realistas da Disney, como o recente remake O Rei Leão (2019).
Francês cuja infância foi passada na Guiné, Ocelot leva para seus filmes narrativas de herança mitológica, entre tradições africanas e árabes. Vencedor do Bafta, o Oscar inglês, pelo curta de estreia, Les 3 inventeurs (Os Três Inventores, 1980), o cineasta acumula passagens por festivais de peso: Annecy, maior vitrine para a animação mundial, Cannes, onde exibiu Les Quatre Voeux du Vilain et de Sa Femme (1987) e As Aventuras de Azur e Asmar (2006), e Berlim, no qual competiu pelo Urso de Ouro com Contos da Noite (2011).
Leia entrevista com Michel Ocelot:
Seu novo filme volta à Belle Époque e incorpora tanto o visual de Paris como personagens reais. Como fugir dos clichês ao falar desse período, dessas personalidades e dessa cidade?
Na verdade, eu quase fiz um clichê! Inicialmente, escolhi Paris porque nunca havia tratado dessa cidade. E a Belle Époque por conta de seus belos vestidos. Mas quando olhamos seriamente para esse momento, descobrimos gênios em todas as esquinas e em todo o mundo. Tentei mostrar essa riqueza humana. Já me disseram que tem gente demais. Mas não tive como colocar menos, pois teria ficado uma cidade igual a qualquer outra.
Como animador, você articula linguagens diversas, de técnicas tradicionais ao 3D, como em Dilili. Em geral, você pensa esses atributos visuais junto com a narrativa ou isso vem de maneira mais natural, durante a escrita do roteiro, por exemplo?
Pensei nessa imagem em particular enquanto escrevia o roteiro. Ao contrário de outros lugares que celebrei em meus vários filmes, no caso de Paris, eu estava lá! Decidi mostrar a realidade, Paris realmente existe hoje e tem lugares bonitos.
Esses belos lugares e belas figuras históricas constituíam a contrapartida de uma outra realidade, como os horrores que os homens fazem às mulheres e meninas. Então eu peguei minha câmera e fotografei alegremente a minha cidade. Quando durante as filmagens algo estava faltando, saí e voltei com a foto. Paralelamente, coloquei personagens animados para ficarem mais leves, livres e fictícios.
Kirikou tornou você conhecido no mundo da animação, sobretudo pelo viés autoral com o qual você conta histórias. Em tempos de blockbusters e franquias, qual a função da animação autoral nos dias de hoje?
A animação de autor é uma bolha de oxigênio necessária. Produtos industriais muito bem-sucedidos têm seu lugar. Indivíduos e equipes pequenas e determinadas têm os deles, com base no universo de curtas-metragens. E eu pertenço a esse mundo, onde tudo é pessoal e sincero. Esse mundo existe há muito tempo, em todos os países.
Você costuma contar histórias pelo olhar de personagens infantis. Que desafios e possibilidades essa perspectiva permite num filme de animação?
Eu gosto de mostrar heróis, homens e mulheres, jovens e velhos. Mostrar crianças é muito bom, é fácil criar personagens bonitos e todas as esperanças são permitidas e credíveis. Existe uma inocência que fala comigo e que existe em todos.
Hollywood tem investido à beça em filmes live-action, com foco em recriações fotorrealistas de clássicos do estúdio, como O Rei Leão. Como animador, essa onda fotorrealista te incomoda? O que pensa da animação comercial feita hoje em dia, não só da Disney e Pixar? Dependente demais de gráficos computadorizados, talvez?
Essa onda de desenhos animados refeitos de forma realista me deixa muito triste. Hollywood não é mais capaz de escrever um roteiro novo. É apenas comércio e sem orgulho próprio (a não ser por ganhar dinheiro). Não penso muito na animação comercial de hoje porque não olho para ela, não é para mim.
Com certeza estou envergonhado com a renderização hiper-realista de tudo. Se você quiser ser hiper-realista, recomendo que faça algo que possa ser visto como real. Em animação, inventamos e estilizamos. E não se trata de produzir ou não usar computadores. Podemos fazer bom uso do computador, mas não deixá-lo nos comandar. A maior parte de Dilli é em 3D digital, com um pouco de 2D, também digital, quando nos convêm.
A animação representa, e não é de hoje, um dos tipos de cinemas mais populares e comunicativos. Quais preocupações, vontades e desejos você leva em conta antes de fazer uma animação? E como é a sua relação com as reações das plateias aos seus filmes?
Escrevo minhas histórias sobre o que me interessa hoje. Enquanto escrevo, me dedico a ser interessante e compreendido por todos. Eu gosto de me comunicar, gosto de encantar, gosto de trazer um pouco de beleza. Mas essas são minhas ideias, e não uma análise de mercado. Prefiro surpreender a entregar o que é esperado. Por outro lado, gosto de conhecer o público e nos comunicamos bem.
Mostra Michel Ocelot
De 24/09/2019 a 06/10/2019, com sessões de terça a domingo, no Centro Cultural Banco do Brasil – CCBB-DF (Setor de Clubes Esportivos Sul, Trecho 2). Telefone: (61) 3108-7600. Entrada gratuita mediante retirada de ingresso na bilheteria. Programação completa no site do centro cultural. Classificação indicativa livre