O Homem Cordial ganha prêmios e mostra força do cinema brasiliense
Só no primeiro semestre de 2019, as produções da capital federal levaram sete troféus no Cine PE e três no Festival de Gramado
atualizado
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O ano de 2019 tem sido de colheita fértil para a cena cinematográfica da capital federal. Longas e curtas-metragens realizados pelas pratas da casa vêm chamando a atenção do público e júri de festivais tradicionais mundo afora. Somente no primeiro semestre, Brasília teve três filmes premiados no 47º Festival de Cinema de Gramado e dois no Cine PE. Ao todo, as produções abocanharam 11 troféus. A sétima arte brasiliense também mostrou a sua força e identidade em eventos em Sundance, nos Estados Unidos, e Berlim, na Alemanha.
Entre os vencedores de Gramado está O Homem Cordial, de Iberê Carvalho, que ganhou nas categorias de Melhor Ator, com Paulo Miklos, e Melhor Trilha Musical. A relação do ex-Titãs com a capital é antiga. Foi em O Invasor (2001), no Festival de Brasília do Cinema Brasileiro, que o roqueiro estreou como ator e, de lambuja, levou menção honrosa do júri pela performance no filme. “Foi um ótimo primeiro teste. Achei sensacional o Paulo ganhar, pois a câmera passa boa parte do tempo colada na cara dele e isso é sinal de que essa estética funcionou”, explica Iberê. Os outros ganhadores são os curtas Invasão Espacial, por Melhor Montagem, e O Véu de Amani, com Melhor Roteiro.
Já no Cine PE, quem levou a melhor foi Teoria do Ímpeto, dirigido por Marcelo Faria e Rafael Moura, que ganhou nas categorias de direção, fotografia (André Carvalheira), ator (Adriano Barroso) e ator coadjuvante (Pablo Magalhães). Nos curtas, À Margem do Universo, assinado por Thiago Esmeraldino, abocanhou os troféus de melhor atriz (Petra Sunjo), roteiro (Faustón da Silva) e fotografia (Gustavo Serrate).
Apoio e desenvolvimento
O Homem Cordial se passa em uma única noite, acompanhando o vocalista de uma banda de rock que fez muito sucesso na década de 1980 e decide voltar aos palcos. Porém, no dia do reencontro com os fãs, um vídeo viralizado na internet o envolve na morte de um policial militar. O personagem de Miklos, então, começa a sofrer as consequências dos julgamentos sociais. Assim como no conceito sociológico de Sérgio Buarque de Holanda que deu nome à obra, a passionalidade dos personagens norteia o longa. “O filme não é fácil de digerir. Como alguns críticos falaram, é um soco no estômago”, pontua.
O cineasta fez questão de ressaltar os subsídios públicos que possibilitaram a realização do projeto pela produtora Quartinho: Fundo Setorial do Audiovisual, da Agência Nacional do Cinema (Ancine), e Fundo de Apoio à Cultura (FAC). “É muito importante usar todas as oportunidades que temos para informar a população. Sem esse tipo de política pública, a cena brasiliense não existiria”, afirma o diretor.
Iberê conta que nos últimos anos o número de produções na cidade subiu expressivamente. “O primeiro filme do qual participei, As Vidas de Maria, do Renato Barbieri (2000), era o primeiro longa filmado em Brasília depois de sete anos. Não se fazia. Hoje são cerca de quatro por ano, ou até mais”, garante. Segundo ele, o desenvolvimento no setor em Brasília está diretamente ligado à regularidade do FAC.
O diretor vê com preocupação as mudanças propostas pelo governo de Jair Bolsonaro para a Ancine. “Isso é censura. A partir do momento que você lança um edital de fomento ele tem de ser para toda a sociedade. Todo mundo tem de se ver representado no cinema. Não cabe a ele dizer quem pode ou não. O dinheiro é nosso. Ele é um servidor público que uma hora vai sair. O Brasil não é dele”, aponta.
Perpetuação e resistência
Iberê acredita que os próximos anos não serão de crescimento para a cena brasiliense e sim de minimizar danos. “Para quem já está no mercado há um tempinho, como eu que estou desde 2000, talvez ainda tenha um pouquinho mais de possibilidade. Mas para quem está começando agora é desesperador”, considera.
Segundo ele, muitos jovens estão desistindo da faculdade de cinema, tamanhos são os desafios que estão se apresentando. “A palavra resistência não é modinha. Daqui para frente a luta tem que ser política mesmo. Demonstrar nossa força junto às instâncias democráticas, enquanto elas existem. “Eles vão tentando acabar e nós vamos tentando impedir que acabe”, sugere.
Representatividade feminina
“Eu fico muito feliz com esse momento do cinema brasiliense nos festivais. Não só por mim, mas pelos meus colegas que venceram em Pernambuco. Logo lá que é uma cena tão efervescente, de tanta qualidade, que sempre varre os troféus. Daí a gente chega lá e leva sete. É de dar orgulho”, diz a roteirista e diretora Renata Diniz, uma das representantes femininas da cena cinematográfica brasiliense.
Com seu último curta, O Véu de Amani, levou os títulos de Melhor Roteiro no 47º Festival de Cinema de Gramado, e Melhor Filme de Ficção pelo júri adulto na 13ª Mostra de Cinema Infantil de Florianópolis (SC). Segundo Renata, a história da paquistanesa dividida entre o encantamento pelo biquíni brasileiro e as crenças da religião muçulmana conquistou a plateia pela delicadeza. “A gente está falando sobre imigração e refugiados, que são questões humanitárias. Mas o nosso diferencial é tratar pela ótica da ingenuidade das crianças”, completa.
Não é a primeira vez que a cineasta brasiliense experimenta o gostinho do reconhecimento. Na sua estreia com Requília (2014), Renata participou de mais de 50 festivais, entre eles, Guarnicê (Melhor Roteiro), San Diego International Kids Film Festival (Melhor Direção e Ator), Festival Primeiro Plano (Júri Infantil) e Festival Internacional de Cinema Infantil (um dos três finalistas do prêmio Brasil Histórias Curtas). O curta é exibido no Canal Brasil e no Prime Box Brazil.
Apesar de o mercado ainda estar longe de uma equidade de gêneros, Renata vê com otimismo a chegada cada vez maior de mulheres em postos técnicos das produções. “Eu tenho sempre essa preocupação de convocar mulheres para as cabeças de equipe. Acho que é a nossa parcela também para diminuir essa desigualdade. Em A Voz de Amani, só o técnico de som é homem”, conta.
De Ceilândia para o mundo
Adirley Queirós é atualmente o principal e mais cultuado cineasta do cerrado da última década. Com os longas Branco Sai, Preto Fica (2014) e Era Uma Vez Brasília (2017), o ceilandense ganhou diversos prêmios nacionais e internacionais. Entre eles o Candango de Melhor Filme, a Menção Especial no Festival Internacional de Locarno, na Suíça.