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Cineasta brasiliense se posiciona contra fechamento da Ancine

Marcus Ligocki participou de produções como Uma Loucura de Mulher, O Último Cine Drive-in e As Vidas de Maria

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O cineasta brasiliense Marcus Ligocki redigiu uma carta aberta ao presidente Jair Bolsonaro repudiando as declarações sobre um possível fechamento da Agência Nacional do Cinema (Ancine).  No documento, ele afirma: “Sem a Ancine, o dinheiro público e o apoio governamental que são dados a todas as principais atividades econômicas do nosso país, não haverá mais produção audiovisual brasileira”.

Ligocki participou de produções como Uma Loucura de Mulher, O Último Cine Drive-in, As Vidas de Maria e Rock Brasília: Era de Ouro, exercendo cargos de produção e direção.

Confira a carta na íntegra:

CARTA ABERTA AO PRESIDENTE

Brasília, 26 de julho de 2019

Senhor Presidente Jair Messias Bolsonaro, Permita-me dizer: acabar com a Ancineé um erro. Por favor, analise meus argumentos. Não trarei mais dados econômicos do setor, pois sei que nos últimos meses o senhor e seus Ministros foram inundados com rico material enfatizando o impacto positivo que o setor causa na economia.

Falarei da minha experiência pessoal tendo saído de uma família de funcionários públicos e encontrado no cinema uma oportunidade para empreender. Antes de mais nada, é importante dizer que minha manifestação aqui não tem viés ideológico. De modo geral, me identifico com boas ideias que surgem na direita, na esquerda e no centro e, em algum momento, tomei a decisão consciente de não fazer política partidária, pois tenho sempre o receio de turvar minha percepção sobre as boas ideias que surgem à margem da matriz ideológica de um partido.

Comecei do zero no início dos anos 90. Morava em Brasília e foi longe dos óbvios centros de produção audiovisual como Rio e São Paulo que montei minha empresa e realizei 6 filmes de longa metragem. Hoje também sou um dos curadores do Festival de Brasília do Cinema Brasileiro, em sua 52 edição, o mais antigo do Brasil. Evento que vem testemunhando várias fases da produção cinematográfica brasileira.

Voltando um pouco em minhas memórias, certa vez fiz as contas e cheguei à conclusão que até meus 19 anos havia feito cerca de 70 tentativas de negócios diferentes. Todas informais. Fui de uma pequena produção de hortaliças, passando pela prestação de serviços de lavagem de carros, produzindo camisetas dentre muitas outras.

Não me considero um bom empreendedor, pois meus resultados nunca se aproximaram do que idealizei, mas foi com o impulso de empreender que vi no cinema uma oportunidade e foi neste setor que formalizei minha condição de empresário. Na época não havia Ancine, não haviam leis de incentivo fiscal e não havia produção de cinema em nosso país. O Brasil realizava 1 filme por ano.

Logo se estabeleceu a Lei Rouanet e 2 anos depois a Lei do Audiovisual. A atividade voltou a existir e em 1995 veio o filme Carlota Joaquina, da Carla Camurati, que marcou o início do período conhecido como a “Retomada do Cinema Brasileiro”. Na sequência, veio a Ancine, o ambiente produtivo foi aprimorando suas regras e as relações entre seus participantes. A produção cresceu. Surgiram novos fundos e 2 formas de financiamento como o FSA, que chegou para dar competitividade ao produto brasileiro, aumentar a segurança jurídica do setor e trouxe dentro dele a possibilidade da nacionalização da produção audiovisual.

Os mais diversos Estados brasileiros começavam a se integrar à produção audiovisual, que se tornava um importante vetor de desenvolvimento econômico e social. Aos poucos, junto com muitos outros realizadores, fui me capacitando, investindo no desenvolvimento de projetos e conseguindo realizar e distribuir meus primeiros filmes.

Passo a passo, fui compreendendo o funcionamento da atividade e integrando as produções realizadas em Brasília às principais janelas de distribuição, com promissoras incursões pelo mundo.

Parte do trabalho se realizou pela ação política e pela busca do desenvolvimento do bem comum. Acabei dirigindo associações de produtores, assumindo posições de representação do setor em oportunidades de construção conjunta com o poder público e ainda tive a possibilidade de liderar a estruturação do primeiro curso superior de cinema e mídias digitais em uma instituição de ensino privada no Distrito Federal.

Neste processo ganhamos a consciência de que em 1960, Brasília foi inaugurada com o objetivo de integrar as riquezas do território Brasileiro e promover o desenvolvimentodo país. O poder político foi transferido para o coração do Brasil, mas a mídia com sua geração de pensamento e de expressão ficou presa no litoral, comprometendo o projeto de desenvolvimento, porque o Brasil não foi capaz de se ver e se pensar em sua totalidade.

A Ancinee os empreendedores do setor, com muito esforço, nos últimos anos conseguiram estabelecer as bases para que todos os estados se tornem produtores de conteúdo, tornando as potências Brasileiras e também seus problemas visíveis para todo o Brasil. Um prato cheio para Governantes ou empreendedores que têm o desejo de identificar oportunidades e melhorar a qualidade de vida do povo brasileiro.

Sem a Ancine, o dinheiro público e o apoio governamental que é dado a todas as principais atividades econômicas do nosso país, não haverá mais produção audiovisual brasileira.

Sem a produção audiovisual, nos afastaremos das realidades e das riquezas produzidasem nosso extenso território, mas também ficaremos de fora de um dos principaismercados globais das próximas décadas.

Sem a infraestrutura do setor audiovisual, o Brasil perderá competitividade nos demais setores da economia por não conseguir produzir e distribuir globalmente conteúdos capazes de entreter, emocionar e conquistar o afeto dos mais diversos consumidores e tomadores de decisão ao redor do mundo.

O mundo é um lugar diverso. Em cada indivíduo existe uma visão diferente sobre como a vida deve ser vivida e só conseguiremos nos relacionar amplamente se tivermos uma produção de conteúdo potente e também diversa.

É por essa razão que as maiores corporações do planeta estão fazendo investimentos gigantescos na produção de conteúdo. Além disso, o desenvolvimento tecnológico que se acelera, passa a reduzir os postos de trabalho e naturalmente leva a humanidade para as atividades da economia criativa, na qual a produção audiovisual é um de seus principais representantes.

O Brasil, com sua grandeza tem totais condições de se tornar um dos 5 maiores produtores audiovisuais do planeta. Ao invés de acabar, vamos juntos melhorar a Ancine. O senhor e nós produtores estamos todos trabalhando para dar ao Brasil um lugar ao sol. Já fizemos muito, mas ainda temos muito a avançar. Temos que aumentar a competitividade do produto brasileiro e conquistar novos mercados para ele e para a totalidade das atividades econômicas brasileiras.

Uma produção audiovisual forte só dará potência a todas as outras iniciativas econômicas do país. O seu Governo tem tudo para fazer uma diferença histórica e elevar a produção brasileira a um novo patamar de competitividade e de ocupação das telas globais.

O Brasil acima de tudo.
Atenciosamente,
Marcus Ligocki Júnior – Diretor, Produtor e Roteirista

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