Cine Ceará 2019: Fernanda Montenegro e política dominam abertura
Sessão de A Vida Invisível teve homenagem ao diretor Karim Aïnouz e a presença de Ciro Gomes e Fernando Haddad
atualizado
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Fortaleza (CE)* – Três dias após ser escolhido o representante brasileiro na corrida pelo Oscar de Melhor Filme Internacional (categoria antes conhecida como Melhor Filme Estrangeiro), A Vida Invisível fez sua estreia nacional no Cine Ceará – Festival Ibero-americano de Cinema, na noite dessa sexta-feira (30/08/2019). A escolha não foi por acidente. Natural de Fortaleza, Karim Aïnouz tem uma relação de longa data com seu estado, com os organizadores do evento e com o próprio Cineteatro São Luiz, palco da sessão de abertura e primeira sala de cinema frequentada pelo realizador.
Como de praxe em cerimônias do tipo, a noite começou com discursos de organizadores e parceiros do festival. Figuras políticas do Ceará, como o governador Camilo Santana (PT), o ex-governador Ciro Gomes (PDT) e o secretário de cultura do estado, Fabiano Piúba, marcaram presença. A surpresa ficou por conta da chegada de Fernando Haddad (PT). O ex-prefeito de São Paulo e ex-candidato à Presidência da República, adentrou ao cineteatro logo após as vinhetas oficiais, recebendo efusivos aplausos e sob os gritos de “Lula Livre”. O inevitável encontro entre Haddad e Gomes foi celebrado com um abraço muito aplaudido pela plateia.
Passado o impacto inicial das presenças, a noite seguiu num tom político por toda cerimônia de abertura. Embora sem ataques diretos ao atual governo federal, parte considerável das pessoas que subiram ao palco fizeram questão de defender a importância da cultura e da arte.
Realizada ainda sob o burburinho do afastamento do presidente da Agência Nacional de Cinema, Christian de Castro Oliveira, ocorrido na tarde desta sexta-feira (30/8), a abertura do Cine Ceará 2019 se mostrou um ato de defesa da Ancine. Alvo recente da atenção do governo de Jair Bolsonaro, a agência foi defendida em vários dos discursos da noite, em especial do governador Camilo Santana, que destacou: “Um país só tem cara e só valoriza suas raízes se investir em cultura e educação.” O político apontou que 1,5% das receitas do estado é investido em cultura e anunciou ainda um maior investimento no programa Ceará Filmes, com o objetivo de valorizar o audiovisual cearense.
Cinema do Ceará
A produção local, por sinal, tem tido cada vez mais destaque na organização do Cine Ceará. Diretora geral de programação do festival, Margarita Hernández ressaltou a presença de oito longas e 22 curtas-metragens produzidos no estado. A maioria deles está presente na Mostra Olhar do Ceará, mas não exclusivamente. Notícias do Fim do Mundo, de Rosemberg Cariry, e Greta, de Armando Praça, integram a mostra competitiva principal. Além do cinema cearense, Hernández também assumiu o compromisso de valorizar a participação das mulheres no evento. Segunda a organizadora, o festival inseriu em seu regulamento a exigência de contar com no mínimo 30% dos filmes sendo dirigidos por mulheres.
O empoderamento feminino e a igualdade de gênero também se fez presente nas duas produções exibidas na noite. A primeira deles, o inocente, mas esperançoso curta de animação A Máscara da Igualdade, do cineasta Telmo Carvalho. A segunda, é claro, A Vida Invisível, cujas figuras principais são todas mulheres, com destaque para Carol Duarte, Julia Stockler e Fernanda Montenegro.
Após todas as falas de organizadores e patrocinadores, chegou o grande momento da abertura: a homenagem ao filho de Fortaleza e diretor Karim Aïnouz, que recebeu o troféu Eusélio Oliveira das mãos de ninguém menos que Fernanda Montenegro. Grande dama do Cinema Brasileiro, Fernanda foi mais aplaudida que o próprio homenageado. A atriz, que assistiu ao filme pela primeira vez no Cine Ceará, foi um show de delicadeza e simpatia no palco. Ela revelou que já era uma admiradora do cineasta pelos trabalhos em Madame Satã e O Céu de Suely, e surpreendeu Karim ao ler no palco a carta que ele a enviou convidando para fazer A Vida Invisível. No texto, o diretor falava da relação com a mãe e com o passado dela, que era desconhecido até pelos mais próximos, e sobre a necessidade de contar sua história, mesmo que através de uma adaptação literária.
Emoção
Visivelmente emocionado, Karim assumiu o microfone após a fala de Fernanda e demonstrou toda a felicidade de estrear o filme no Ceará, mesmo após consagrações como o prêmio no Festival de Cannes (Melhor Filme da Mostra Un Certain Regard) e a pré-seleção ao Oscar. Na companhia de boa parte do elenco, o diretor ressaltou o quão pessoal era o tema de seu longa.
“É um filme sobre mulheres que abdicaram de seus sonhos por conta de um regime patriarcal. É um filme que fala da minha mãe, da minha avó, das minhas tias. Se eu pude fazer cinema chegar aqui é porque eu sou filho da dona Iracema, uma mulher feminista que me criou e eu gostaria de dedicar esta sessão a ela”, destacou Aïnouz, que na sequência citou nominalmente várias mulheres importantes para a cultura nacional, como Carolina de Jesus, Suzana Amaral, Linn da Quebrada e Fernanda Montenegro.
Terminadas todas as apresentações, o elenco do filme se preparou para deixar o palco do Cineteatro São Luiz. Figura dominante da noite, Fernanda Montenegro fez todos retornarem e avisou: “Não se deixa um palco sem agradecer ao público.” O que se viu na sequência foram mais aplausos ensandecidos. Que voltaram a acontecer ao final de A Vida Invisível, quando uma plateia notavelmente emocionada aplaudiu longamente enquanto transcorriam os créditos finais. A celebração foi tanta que a equipe retornou ao palco mesmo sem luz ou microfone, apenas para estar ao lado de seu público. Na saída da sessão, o sentimento era somente um: o Brasil tem um grande concorrente na disputa do Oscar 2020.
* O repórter viajou a convite da organização do evento