Cidade; Campo se divide em dois no Festival de Gramado
Filme de Juliana Rojas saiu premiado no Festival de Berlim e agora compete em Gramado
atualizado
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Filmado no período da pandemia, cheio de incertezas durante sua produção, o novo filme de Juliana Rojas não menciona o coronavirus, mas lida com vários de seus traumas, incluindo o luto e o deslocamento geográfico. Acostumada a liderar com o fantasioso e o sobrenatural, a diretora mistura duas histórias de deslocamento, dividindo sua narrativa em duas como o ponto e vírgula do título. São pequenas histórias independentes, só que relacionadas em seus temas.
Joana (Fernanda Vianna) chega a São Paulo de ônibus, à procura da casa da irmã. Ela perdeu tudo que tem, assim como tantas outras vítimas do desastre em Brumadinho, onde uma barragem se rompeu, abrindo caminho para um mar de lama que engoliu bairros inteiros. A casa de Tânia (Andrea Marquee) é pequena, mas aconchegante, especialmente com a presença da criança, um tanto madura, Jaime (Kalleb Oliveira). Joana ainda tem a perspectiva de receber uma indenização pelo desastre, mas ninguém sabe quanto será ou quando virá. É uma questão do capitalismo, a mesma força que convence Joana a se cadastrar num aplicativo de serviços de faxina. Esta preocupação em se ocupar, em contribuir financeiramente para a casa, parece um caminho que a leva a um progresso do luto.
Em outro estado, talvez até em outro tempo, o casal Flavia (Mirella Façanha) e Mara (Bruna Linzmeyer) chegam a uma pequena fazenda no meio de uma paisagem aberta e pastoral. É a herança deixada pelo pai de Flávia, e ela, também passando por este luto, tem muito a explorar dentro de si mesma. Seu pai morreu sem que ela pudesse se despedir, só que é bem possível que elementos de sua ancestralidade possam guiá-la a uma reconciliação. Determinadas a estabelecer a vida rural – Mara é veterinária –, as duas começam a se afastar diante das dificuldades inerentes do processo.
Quais as diferenças entre cidade e campo, já implícitas no título do filme, para personagens que fazem esta migração, nos dois sentidos? Conotações sobre materialismo versus espiritualidade, real e imaginário, concreto e fantasioso. Todo conflito das personagens é interno, mas, externamente, seus corpos estão em busca de afeto. Joana forma uma conexão com Jaime (personagem divertido da trama) e o casal do campo tem uma cena de amor afirmativa que preenche um vazio imagético no cinema comercial.
Cidade; Campo é um filme particular e delicado que não será do gosto de todos. Sua atmosfera, porém, evoca a estranheza existencial da vida. Para muitos, o luto é também um período de grandes incertezas, de dúvidas sobre como funcionará a vida quando se perde algo importante. E disso, cada um de nós entende um pouco mais após vivermos juntos o começo desta década.