Cannes: western urbano Dogman conta história de vingança
Diretor de Gomorra e Reality, italiano Matteo Garrone volta ao festival para mostrar filme entre a periferia da cidade e a natureza selvagem
atualizado
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São as últimas sessões do 71º Festival de Cannes e, para dizer a verdade, esta sexta (18/5) estará muito movimentada, com a apresentação de nada menos que três filmes concorrentes: Ayka, do cineasta do Cazaquistão Sergey Dvortsevoy; Un Couteau Dans le Coeur, ou Uma Faca no Coração, do francês Yann Gonzalez; e The Wild Pear Tree, ou A Árvore das Peras Selvagens, do turco Nuri Bilge Ceylan. A quinta-feira (17) foi marcada por duas produções que dificilmente deixarão de estar entre as premiados na noite deste sábado (19/5): – o italiano Dogman, de Matteo Garrone, e o libanês Capharnaüm, de Nadine Labaki.
Garrone é um habitué do festival há 10 anos, e havia um monte de gente apostando que ele ganharia a Palma de Ouro por Gomorra. O diretor continuou vindo ao festival, com Reality e Tale of Tales. Ei-lo de volta mais uma vez, e com um filme que marca seu retorno ao realismo social de Gomorra.A história de Dogman, de alguma forma definida como “western urbano”, passa-se na periferia de uma cidade italiana que não é identificada, alguma coisa entre a metrópole e a natureza selvagem. Marcello é o protagonista, um dog sitter que leva uma vida meio apagada, dedicada aos cães e à filha. Mas surge Simoncino, que exerce uma influência brutal sobre ele. Por causa de Simoncino, Marcello perderá a estima da comunidade, será preso. Seu desejo é a vingança, mas como?
Existem formas. E, para combater um monstro, Marcello terá de adotar métodos monstruosos. Pode ser que um filme tão masculino assuste um júri tão predominantemente feminino quanto o de Cate Blanchett, mas pelo menos o ator Marcello Fonte teria de ser reconhecido. É excepcional.
O outro destaque da quinta-feira (17) leva jeito de agradar mais ao júri. Capharnaüm é dirigido por uma mulher, a bela Nadine, que parte de uma proposição polêmica para criticar a violência urbana contra crianças. O filme conta a história de um garoto, Zein, que leva os pais ao tribunal. A acusação: terem dado à luz o rapaz, mas o abandonado.
O menino, Zain Alrafeea, é tão excepcional quanto Marcello Fonte. Mas é pouco provável que o júri prefira premiar uma criança. A pergunta que não quer calar: em 2014, Nadine realizou no Brasil um dos episódios de Rio, Eu Te Amo, justamente o que abordava a infância abandonada da Cidade Maravilhosa. Até que ponto aquele filme alimentou a experiência do atual? No material distribuído à imprensa, a produção informa que a diretora completou centenas de horas, trabalhando na base da improvisação. Tudo isso pode ser muito interessante para o júri de Cate Blanchett, mas daí a apostar numa Palma de Ouro? Mais provável é o Líbano, que já esteve no Oscar deste ano com O Insulto, voltar no próximo ano com Capharnaüm.
Há um culto a Whitney Houston, considerada uma das maiores e melhores cantoras de todos os tempos. A artista morreu há seis anos, em 2012, e até hoje são dela os recordes de vendas de singles em toda a história da música. Era bela, talentosa, mas foi derrotada por seus demônios internos. Kevin Macdonald resolveu iluminar essa trajetória trágica em Whitney.
O filme sustenta que ela foi abusada sexualmente na infância, por gente da família. Nunca superou o trauma. A barra é pesada. O repórter mal teve tempo de sair da sessão de Whitney e já estava caindo em outro documentário. Cannes Classics resgatou La Hora de los Hornos, apresentando a primeira parte – Neocolonialismo e Violência – do filme militante de Fernando “Pino” Solanas, que esteve presente à sessão e viveu um daqueles momentos de triunfo, de aplausos retumbantes, que fazem diferença na apreciação da vida de um artista.
La Hora de los Hornos incorpora cenas de outros dois clássicos documentários: Tire Dié, de Fernando Birri, e Maioria Absoluta, de Leon Hirszman. A tese é muito próxima à do livro As Veias Abertas da America Latina, de Eduardo Galeano. Era uma época de ardor revolucionário, e a luta é representada pelas escolhas de vida e morte do mítico Che Guevara. O final é (quase) insustentável – longos minutos em que a tela é ocupada pelo cadáver de Che, com seus olhos abertos.