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Cannes: “R.M.N.”, de Cristian Mungiu

De quem é essa terra, afinal, pergunta diretor romeno que já venceu a Palma de Ouro

atualizado

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1 de 1 RMN - Foto: Festival de Cannes/Divulgação

Tensões sobre imigração correm alto na Europa. Em seu novo filme, o diretor Cristian Mungiu, vencedor da Palma de Ouro no passado escolhe uma vila romena para servir como um microcosmo da Europa como um todo. Logo no começo do filme, o romeno Matthias (Marin Grigore) desiste de viver na Alemanha com um sub-emprego, após ser chamado de ‘cigano’, e volta para seu país natal. Nesta pequena cidade campestre, sua ex, Csilla (Judith State) é uma das administradoras de uma fábrica panificadora que acaba de contratar dois imigrantes vindos da Sri Lanka. A reação da cidade a essa presença é o que desnuda todo o desenrolar da trama.

“R.M.N.” é uma parábola da complexidade moderna. Todo mundo se diz um cidadão de bem, e estar argumentando para o bem da comunidade, mesmo os que consideram ideias terríveis. (A primeira sequência do filme, aliás, é do filho de Matthias, o jovem Rudi (Mark Blenyesi), que vê algo chocante numa floresta da redondeza. Não sabemos de que se trata no começo do filme, mas saberemos até o final.) Tudo é relativo nesta história, como a jornada inicial de Matthias sugere. Na Alemanha ele foi vítima de xenofobia, já na Romênia, ele é o nativo vendo seus vizinhos cometerem o mesmo ato.

Assim como todo mundo tenta ser bonzinho, todos acabam sendo hipócritas, pois o vilarejo está em uma região da Romênia que já foi ocupada por Húngaros e Alemães, e a população atual fala línguas diferentes. Na exibição em sala de cinema, cada língua diferente tinha uma cor de legenda diferente, para que aqueles que lessem tudo em inglês conseguissem distinguir esta variedade. Fora toda esta diversidade humana, o vilarejo ainda é cercado por ursos que habitam a floresta, e ocasionalmente causam um ou outro incidente na vila. A trama não gira em torno deles, mas a presença dos animais indica que tudo isto começou bem antes, quando os seres humanos resolveram fundar um vilarejo na floresta antes ocupada por eles.

O filme de Mungiu foge da agressividade, exceto por uma cena fundamental de um encontro comunitário numa igreja. Na reunião conduzida pelo padre local, todos são encorajados a discutir seus pontos e suas preocupações, e assim o fazem. Em um plano sequencia sem cortes, o que vemos é uma degeneração em tempo real do que seria uma discussão civilizada em um caldeirão de racismo e slogans fascistóides. Ninguém parece se importar com o fato de que a fábrica de pães contratou dois imigrantes porque ninguém da cidade respondeu ao anúncio de emprego.

“R.M.N.” passa bastante tempo explorando as rotinas e os conflitos de vários personagens, é o retrato de uma comunidade e um tempo, não se limitando apenas a visão de um protagonista. O canvas em que o diretor e roteirista pintam é vasto e pessimista. Pois se o cenário político continua sem solução, não será Mungiu a fazê-lo, e nem precisa, tão engajante é este olhar no espelho que ele provoca. Em um dos muitos conflitos com que Matthias tem de lidar, ele leva seu pai para fazer uma ressonância magnética de sua cabeça. As imagens do interior da cabeça de seu pai, salvas no celular, hipnotizam Matthias. É dentro de nossas cabeças, afinal, que surgem nossa oposição ao “outro”.

Avaliação: Ótimo (4 estrelas)

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