Cannes: “Plus Que Jamais”, de Emily Atef
Como tentar passar o fim da vida sozinha, se tal feito consome também quem nos ama?
atualizado
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Hélène (Vicky Krieps) está numa encruzilhada. Diagnosticada com fibrose pulmonar, um dia ela simplesmente não conseguirá mais respirar. Pior que a doença é a maneira com a qual todos a tratam: não como alguém que ainda vive, mas como alguém semi-morta. Seu parceiro, Mathieu (Gaspard Ulliel), parece ter o pior ônus de todos, se preocupando com o bem-estar da esposa sem conseguir fingir que a situação lhe entristece.
Após ser convencida a sair de casa para um jantar com amigos, Hélène finalmente não consegue mais lidar com as conversas e o fingimento de normalidade. Tem uma explosão emotiva e decide que algo deve mudar. É uma das sequencias mais estressantes e interessantes do filme, que afetará muitos espectadores. Qual o assunto apropriado a ser abordado numa situação como essa? Ficar perguntando sobre tratamentos e tratando um doente terminal com muita carinha de dó deve ser horrível, mas fingir que nada está acontecendo também é fatigante. É este o ponto de partida das questões do filme.
Procurando respostas na internet, Hélène começa uma correspondência digital com um blogueiro mais velho na Noruega (ela é francesa, em Paris). Terminal, como ela, Bent (Bjørn Floberg) passa seus últimos dias fotografando banalidades ao seu redor. Instigada por achar alguém que entende sua situação, ela topa o convite de ir passar alguns dias como sua hóspede. Mathieu, coitado, fica desesperado, sem saber o que está acontecendo.
O próprio Bent também não sabe muito bem. Ele é um homem mais tímido e introvertido do que a própria protagonista. É aí que Hélène descobre que a jornada que ela tem nos próximos dias é dela mesma. Assim, distante de todos que conhecia, ela começa a viver por si, e não é por acaso que o local seja a Noruega, numa paisagem incrível tanto para o senso visual do filme como o espiritual.
Seria negligente ignorar o infortúnio de que este é o último filme de Ulliel, morto num acidente de esqui no começo do ano. A ironia de que a personagem de Krieps, e não a dele, é a que morrerá, e que ele está digerindo isso e lutando contra a maneira com a qual ela lida com isso, serve como um contraposto a todos que agora tem de lidar com a perda do jovem e talentoso francês, presença constante em festivais europeus e que com certeza ainda tinha muito pela frente.
Neste filme, a morte é um paradoxo. Apesar de significar o fim da vida, é ela que mobiliza a personagem a finalmente viver à sua própria maneira.
Avaliação: Regular (2 estrelas)