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Cannes: “Pacification”, de Albert Serra

Existe muito a ser dito quanto ao colonialismo francês no pacífico-sul, e este filme aposta tudo em atmosfera

atualizado

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Festival de Cannes/Divulgação
Pacification
1 de 1 Pacification - Foto: Festival de Cannes/Divulgação

Haverá um dia paz para os fantasmas do colonialismo? Os crimes cometidos pelo Ocidente contra povos nativos das ilhas do oceano pacífico não são diferentes daqueles que conhecemos aqui na América do Sul. Pouco estudamos sobre a relação entre a França, colonizadora, e o Tahiti, colonizado, exceto pelas pinturas de Paul Gauguin e a série de testes nucleares executados por lá durante o século XX. Porém, entre esses dois extremos, já se estabelece a complexidade da relação. Ou não, já que o fato da Polinésia Francesa ainda ser controlada por um país europeu já está anacrônico.

Quem vive um tipo de purgatório entre os dois é o Alto Comissionário Francês De Roller (Benoît Magimel), que está no fim de seu mandato como o mais alto representante francês na ilha. Ele vive claramente apaixonado por este Eden asiático, mas sua assimilação é impossível, não só pela cidadania francesa como também pela sua cor de pele, tão diferente daquele dos nativos.

De Roller passa seus dias em negociações e transações. Seu maior papel é o de mediador, e ele parece se energizar com isso, se dando bem com tanta gente diferente, sempre de terno claro de linho, de óculos escuros e pronto para aceitar uma bebidinha. De Roller é um político que adora seu papel e o executa bem, parecendo ter bom trato com todos ao seu redor (o fato de, sempre que encontra alguém, perguntar como pode ajudar, é uma dica preciosa para futuros políticos). O filme é pouco preocupado em criar uma trama intrigante, e mais engajado em explorar esta figura, e sua posição política na ilha.

Sem que ele saiba, um purgatório se ergue ao redor do político. Quando um nativo lhe explica que existem novos rumores de que a França planeja recomeçar testes nucleares na ilha, ele desconversa, mas é óbvio que o fato deste rumor se espalhar, sem que ele soubesse se é verdadeiro ou falso, o faz questionar seu papel. Com todo o trabalho que executou pelo seu país, ele agora está por fora? O tempo passou e ele agora ficou irrelevante?

São quase três horas de duração no filme, com fotografia incrível sobre o cenário luxuoso de mar e floresta que compõe a ilha. É tudo movido com lentidão e torpor. Os nativos, obviamente, estão sempre descontentes com os europeus, mas o filme não os move para uma ação dramática e impressionante, meramente registra seus olhares, sua raiva e seu ressentimento por expressões faciais e corporais. Imagens colocam contradições em evidência: navios cargueiros passando pelo oceano em frente a vulcões, De Roller, de terno, na garupa de um jet ski durante um campeonato de surfe, as danças entre visitantes e nativos numa boate pocilguenta…

Começam a chegar grupos de marinheiros de países diversos, incluindo os EUA. Seriam espiões? Agentes geopolíticos? De Roller anda de barco à noite, tentando descobrir rastros de submarinos nucleares. Seu namorico da ilha também é incomum, uma cantora nativa trans. Tudo é ambíguo e nada fica claro, exceto pelo peso que a colonização e a exploração de seu povo está continuamente por cima da cabeça de todos. Algo quase apocalíptico.

Sem dúvidas, existe um filme melhor dentro do que Serra hoje apresenta com Pacification. Algo mais curto e mais focado. Ao mesmo tempo, é um tanto difícil articular o quanto a atmosfera e o peso da história contribuem para transformar esta experiência sensorial em algo simples e perturbador.

Avaliação: Bom (3 estrelas)

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