Cannes: “It Must Be Heaven”, de Elia Suleiman
Condição existencial e cinematográfico do povo Palestino é explorado por uma lente cômica e leve.
atualizado
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Existe a possibilidade de usar a comédia para explorar um tema tão tenso quanto o estado existencial do povo palestino? Sim, se formos conferir o filme mais recente do diretor Elia Suleiman. Seu personagem é uma figura metafísica: homem sem terra, nômade sem lar, presente em todas as cenas do filme, é praticamente mudo. Fala apenas duas ou três palavras ao todo. Entediado com a rotina em seu território habitual, ele inicia uma peregrinação urbana pelo mundo, passando por Paris e Nova Iorque.
Seu objetivo é conseguir financiamento para um filme, pois personagem e diretor são diferentes versões de um mesmo ser. Ele mistura o tom de Charlie Chaplin, Jacques Tati e Woody Allen, com um posicionamento de mero observador. Enquanto os três diretores mencionados são agentes de ação e confusão em seus filmes, para Suleiman, o mundo já é absurdo o bastante sem ele precisar levantar um dedo.
A comédia do início, que se passa em algum lugar do território disputado por Israel e Palestina ocorre em paralelo com agressão. A ironia do absurdo está em tudo. Uma certa opressão se espalha por toda parte, quando vizinhos brigam durante a noite, jovens israelitas assediam pessoas na rua, e um estranho aparece toda manhã para roubar limões de um limoeiro no quintal do diretor.
Esta vertente de crítica pela comédia se espalha para as outras cidades, como uma cena em Paris, onde policiais desfila em Segways, ou uma varinha intrusiva nos aeroportos americanos. Outros encontros são bizarros, como um encontro com o ator mexicano Gael Garcia Bernal em uma sala de espera de um escritório, ou uma visita a um supermercado americano aonde todos os clientes estão comprando armas.
O formato de filmes de esquete de comédia está ficando mais apresentável no Brasil junto com o movimento de comédia stand-up que cresce dia pós dia. Em uma cena marcante, quando Suleiman conversa com um produtor boçal sobre seu filme, este reclama que a ideia não suficientemente palestina. É uma crítica à demanda internacional por filmes fora do sistema hollywoodianos: que se estes não retratarem sofrimento ou dificuldade, não servem.
Muitos se surpreenderão ao imaginar uma comédia lírica e imaginativa ao cinema palestino. Vale a pena conferir. “It Must Be Heaven” não atinge o patamar de uma obra-prima, pois enquanto algumas de sua sequencias são brilhantes, outras ainda deixam a desejar. É como uma antologia de piadas e situações que o diretor tem carregado em sua vida, e finalmente achou a ocasião de mostrá-las na tela.
Avaliação: Bom (3 estrelas)