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Cannes: “Il Traditore”, de Marco Bellocchio

Trama mafiosa típica é melhorada pelos toques de surrealismo do sistema de julgamento italiano.

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Festival de Cannes/Divulgação
Il Traditore
1 de 1 Il Traditore - Foto: Festival de Cannes/Divulgação

Os rumos da política brasileira giraram como um redemoinho de bons ventos cinematográficos para “Il Traditore”, co-produção italiana e brasileira (via a produtora Gullane), que concorre à Palma de Ouro no Festival de Cannes. Se trata de uma versão dramática dos acontecimentos reais que engoliram Tommaso Buscetta nas décadas de 80 e 90. Ele foi o mafioso mais graúdo da época a se tornar delator, naquela operação histórica em que investigadores e juízes brasileiros se inspiraram para criar a Lava-Jato.

O filme começa com o clássico paralelismo entre mafia e capitalismo: o que antes era um sistema regido por regras e códigos se degenerou, virando um mata-mata incontrolável aonde o dinheiro manda em tudo. Buscetta (Pierfrancesco Favino), durante o filme fala e repete: “eu não traí a Cosa Nostra, a Cosa Nostra me traiu”. O filme abre com uma festa extravagante em 1980, onde duas famílias rivais da Sicília formam um pacto de não agressão. Como em “O Poderoso Chefão”, o dinheiro fácil ganho com a venda de drogas como heroína, começa a se tornar irresistível para as famílias mais modernas, que começaram a assassinar até mulheres e crianças.

Em seguida, Buscetta parte para o Rio de Janeiro, para morar em exílio com sua terceira esposa, Maria Cristina (vivida pela atriz brasileira Maria Fernanda Candido). Sua paz é breve. A trégua durou pouco, dois de seus filhos adultos desaparecem na Sicília e a polícia brasileira (comandada pela ditadura) o extradita para a Itália, após uma pequena sessão de tortura. É no voo para Itália, quando ele admite ser impossível ser um ex-mafioso e recriar sua vida, que ele decide se tornar informante.

O verdadeiro senso de tour-de-force de “Il Traditore” são as prisões da Máfia italiana e os julgamentos subsequentes. Estes mais parecem cenas extraídas de zoológicos surrealistas do que procedimentos legais. Em um plenário cavernoso, regido pelo juiz Falcone (Fausto Russo Alesi), Buscetta depõe dentro de uma caixa de vidros à prova de bala, enquanto os acusados berram insultos chulos incessantemente de suas celas, no fundo da sala. Um coral de esposas mafiosas histérico interrompe os acontecimentos vez ou outra.

Sem dúvida, a parte central do filme é seu ponto forte. O que levou os personagens até aqui e o que sucede posteriormente já se viu antes, em outros filmes. O mero fato de contemplarmos o absurdo destes procedimentos é o suficiente para duvidarmos sua veracidade, não fosse a disponibilidade de comprovação por vídeos reais no YouTube. Além disso, Favino carrega o filme nas costas, sua expressão turrona e segura de si se misturando à dor de quem se diz um pai de família fiel e um criminoso arrependido.

Veterano, o diretor Marco Bellocchio não apresenta seu filme para convencer o espectador a torcer pela Máfia, ou mesmo pelo delator. Ninguém sabe se o arrependimento de Buscetta foi real ou oportunista. Se trata de um herói da justiça ou de um traidor? O fato de tratar-se de uma história real permite que Bellocchio não tome partido–a alegação de que esta meramente retratando um período turbulento na história de seu país é o suficiente.

A participação do Brasil no filme é sólida. Cenas foram gravadas no Rio de Janeiro e Maria Fernanda Cândido tem uma presença sólida durante a duração do filme, embora lhe reste pouco a fazer além das ações da esposa preocupada. Um apelo maior ao espectador nacional pode vir da presença do personagem Falcone, muito citado no noticiário atual e na Operação Mãos Limpas, que ocasionou o maior número de prisões já conseguidos contra a Máfia. Será que resolveu a Itália?

Avaliação: Bom (3 estrelas)

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