Cannes: “Hikari”, de Naomi Kawase
Uma excelente experiência sensorial subjugada por um roteiro demasiadamente água-com-açúcar
atualizado
Compartilhar notícia
Misako (Ayame Misake) trabalha com audio descrição de filmes para cegos. Insatisfeita em fazer uma tradução “seca”, ela prefere injetar um pouco mais de interpretação pessoal e até de poesia em suas traduções de elementos visuais em fala. Esta pequena rebeldia tem alguns detratores, confusos pelo conteúdo, e o mais vocífero entre eles é Nakamori (Masatoshi Nagase), um fotógrafo que está gradualmente perdendo a visão. O debate entre os dois informa é o esqueleto de uma narrativa sensorial, uma exploração sobre o próprio fenômeno da luz, responsável pelo que vemos.
Kawase é uma veterana de Cannes, e este parece ser o seu trabalho mais autobiográfico. Seu cinema constitui sempre a exploração de temas espirituais e metafísicos, e dessa maneira “Hikari” se encaixa de uma forma simples em sua filmografia. Aqui, o tema da luz, e como nossos olhos a veem, faz um trabalho poético que remete à própria carreira (afinal, o cinema é um dos temas).
O roteiro, infelizmente, se perde em relação à constante repetição de frases pseudo-filosóficas típicas de um filme universitário. Misako e Nakamori são os arquétipos de sempre, e seus objetivos narrativos são óbvios: de uma posição de confronto e oposição, os dois se conhecerão melhor e terão, ao final do filme, um relacionamento mais íntimo e um entendimento mais profundo sobre o que move um e outro.
Existe nisso tudo uma metáfora clara sobre a comunicação entre pessoas e até sobre a forma em que a arte aproxima pessoas diferentes. A situação de Nakamori é um pouco agoniante, pois sua visão ainda está em vias de desaparecer. Qualquer pássaro voando, qualquer flor ao vento podem ser a última coisa que ele verá. E é por essa fotografia, por este trabalho luminoso que o filme vale a pena.
Avaliação: Bom (3 estrelas)