Cannes: “EO”, de Jerzy Skolimowski
Filme sobre a vida de um burrinho poderia ser vanguarda, mas o timing infelizmente o deixa na retaguarda da cinegrafia animal.
atualizado
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O cinema é centrado nas histórias de seres humanos. Faz sentido, afinal, é pra estes que as imagens serão projetadas. Contar histórias sobre seres humanos facilita a empatia entre espectador e personagem. A arte, porém, é muito mais permissiva e possibilitadora, de maneira que, volta e meia, um protagonista animal (sem usar aquele artefato de filmes infantis onde de repente falam) vira protagonista. Polonês, o filme “EO” tem um burrinho homônimo como um peregrino pela civilização.
Quando conhecemos Eo (o nome se refere ao barulho típico do animal), ele mora num circo, e trabalha com uma cuidadora que o ama (Sandra Dryzmalska). Só que circos estão em baixa, e após um protesto ecológico contra o uso de animais, o dono do circo resolve vender Eo para uma fazenda. O que sucede é uma série de vinhetas, pois Eo vira um transeunte, um peregrino pela condição humana animal, passando de mão em mão. Algumas vezes é pra melhor, outras para pior, com mais de uma ocasião perigosa.
Um filme compromissado com seu animal é um convite à uma interpretação subjetiva. Esse compromisso envolve manter o personagem como um animal, sem que ele fale ou deixe claro seus pensamentos. Ou seja, o oposto de um filme da Disney, aonde o que ocorre é a metafórica transformação do animal em um ser humano, via diálogo, para que facilite a empatia. Eo, portanto, é protagonista e observador, porém sem a capacidade de interpretar. Cabe ao espectador ver emoção em seu rosto ou tirar conclusões sobre o que ele pensa dos personagens que o rodeiam.
A jornada que segue vai do sublime ao surreal, do perigo mortal à brincadeira, às vezes na mesma sequencia. Em uma, Eo passa por uma partida futebol e participa, sem querer, de uma jogada decisiva. Os torcedores levam o burrinho para um pub e comemoram com ele. Parece cena de filme infantil, mas logo logo chegam os hooligans torcedores do outro time, que espancam seus rivais e o pobre animal. Tal a condição humana: do êxtase a tragédia.
Como outros filmes do tipo, parte importante do comentário vem da relação entre animais e seres humanos. A denúncia, claro, é sobre o descaso da relação entre espécies. O problema é que “Eo” chega tarde, após filmes mais antigos e mais recentes. Um deles é “Cow”, excelente documentário de Andrea Arnold sobre a vida de uma vaca do nascimento ao abatedouro. Enquanto “Eo” brinca com certo surrealismo, “Cow” consegue tudo na realidade. Só que “Eo” não consegue nem existir em contraponto a isso porque lá em 1966 o mestre francês Robert Bresson dirigiu “Au Hasard, Balthazar”, também sobre um burrinho repassado de mão em mão.
Esta nova versão, enquanto servirá para impressionar quem não conhecer estes dois outros filmes citados, não consegue se distinguir suficientemente deles.
Avaliação: Regular (2 estrelas)