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Cannes: “Crimes of the Future”, de David Cronenberg

Filme novo do diretor canadense é cheio de ideias, porém poucas provocações.

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Festival de Cannes/Divulgação
Crimes of the Future
1 de 1 Crimes of the Future - Foto: Festival de Cannes/Divulgação

Uma das piores ações que um diretor pode fazer é aumentar o hype em torno de seu filme gratuitamente. Após décadas longe do ‘body-horror’ que explorou durante sua carreira, David Cronenberg vinha há semanas prometendo um filme que o retornaria a estas raízes. Só que sua nova obra não tem nada disso, sequer chega a se classificar como uma entrada no gênero, como ele vem dizendo, contando até a anedota que alguém já desmaiou ao assistir “Crimes of the Future”.

Como o filme lida com certas esquisitices do corpo humano, há de se dizer que não está tudo perdido. Num futuro não muito longínquo, mutações evolucionárias começam a aparecer em seres humanos. Logo no começo do filme vemos um menino que se alimenta de plástico. Um pouco mais tarde conhecemos Saul Tenser (Viggo Mortensen) e Caprice (Léa Seydoux). Ele desenvolve, de tempos em tempos, novos órgãos dentro de seu corpo (são tecidos sem propósito e até tumorosos), e ela os extrai, operando Saul em uma forma de performance-art, com espectadores.

Tal distopia é, obviamente, monitorada por agentes governamentais. Para seguirem a lei, Saul e Caprice sempre registram os órgãos extraídos com as autoridades, especificamente Wippet (Don McKellar) e Timlin (Kristen Stewart), que oscilam entre burocratas responsáveis e fanboys do casal. O maior interesse do governo é controlar sectos interessados em criar uma nova ordem mundial a partir desta nova classe de seres humanos. Uma proposta que logo logo chegará à Saul e Caprice por intermédio de Lang (Scott Speedman), conectado ao menino que ingere plástico.

Se o uso do corpo em nossa sociedade é tão ligado ao prazer, quais são as possibilidades sensoriais através de novas variações de nossa habitação corporal. É esta que parece ser a questão central a ser explorada por Cronenberg no novo filme. “Cirurgia é o novo sexo”, diz Caprice, em referência às suas sessões de performance art. Se a dor física desaparece, qual o limite de experimentação sexual que pode acontecer? Ao filosofar sobre tudo isso, Cronenberg se propõe não um filme sobre ‘body-horror’, mas algo como ‘body-pleasure’.

É na realização e no estabelecimento deste mundo que a produção caprichou: no meio de uma cidade enferrujada e encrustada, uma população moderna e estilosa se exibe e se exalta. Todos estão felizes com esta nova realidade, ninguém se exaspera ou agoniza. A sordidez é limitada a uma sequencia inicial que, talvez por isso mesmo, seja a mais interessante do filme inteiro. Tudo que vem depois é manso e até sensual, em comparação. Como sempre, temos a união entre homem e máquina, exemplificada no casulo quase orgânico em que Saul dorme, com cabos conectados em seu corpo. União, aliás, que se excede, entre homem, mulher e máquina, ou entre mulher, mulher e máquina.

Cronenberg escreveu o roteiro pela primeira vez nos anos 90, e o foco da história parece um pouco congelado nesta época, contente em provocar sem levar suas ideias às últimas consequencias. O filme, aliás, termina em um momento de catarse e compreensão para o personagem de Saul, mas nunca saberemos a que isto levará. Talvez seja um dos primeiros filmes do canadense propensos a uma sequencia.

Avaliação: Regular (2 estrelas)

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