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Cannes 2024: diretor de Baby fala de “nãos” do mercado a filmes LGBTs

Marcelo Caetano, o diretor de Baby, fala sobre a importância de um filme brasileiro na Semana da Crítica do Festival de Cannes, em Paris

atualizado

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Frame colorido de cena do filme Baby, exibido no Festival de Cannes 2024
1 de 1 Frame colorido de cena do filme Baby, exibido no Festival de Cannes 2024 - Foto: Reprodução

Cannes (França) — Marcelo Caetano, o diretor de Baby, filme brasileiro exibido na Semana da Crítica do Festival de Cannes, falou ao Metrópoles sobre suas intenções com o longa-metragem, estrelado por estrelado por João Pedro Mariano, Ricardo Teodoro, Ana Flavia Cavalcanti, Bruna Linzmeyer e Luiz Bertazzo.

O cineasta também lembrou os “nãos” que ouviu durante a carreira por fazer títulos com protagonistas pertencentes à comunidade LGBTQIAPN+. Confira:

frame do filme Baby, exibido em Cannes 2024
Baby (2024)

Márcio Sallem — Um aspecto que percebi em Baby é o fato de o personagem título, por sentir falta de uma figura paterna acolhedora, procurar o afeto de homens mais velhos.

Marcelo Caetano — Eu acho que o filme é sobre isso, sobre um menino que tem uma questão da busca por acolhimento. Acho que quem o personagem busca mais é a mãe, a maternidade ausente em razão da relação abusiva com o pai. Então, o que tem para ele são os amigos da mesma idade ou estes homens que podem ver nele uma fonte de juventude, um interesse econômico ou social por ser mais jovem. E, no momento em que ele está de vida, estes homens representam não apenas a proteção paterna, mas também o aprendizado.

Ronaldo aprende muito com o Baby. A importância da solidariedade, da ternura, da liberdade, do lazer do ócio. Ronaldo é um homem que trabalha o tempo todo, se não está se prostituindo, está vendendo drogas. A vida não é apenas isso, existe outro movimento na vida que é o movimento dos afetos. Se fosse só uma relação de um jovem aprendendo com um homem mais velho, não me interessaria; mas como há a possibilidade de o Ronaldo aprender com o Baby, sobre os sentimentos, sobre a essência do que é desejar ser livre, aí eu consigo fazer um filme. Há uma assimetria entre eles, mas há uma reciprocidade.

MS — Uma via de mão dupla?

MC — Com intensidade diferente, mas há.

MS — Algumas vezes, pessoas não queer realizam obras que perpetuam violências sobre corpos que já são violentados. A percepção é de que os personagens estejam marginalizados, mas você não os marginaliza.

MC — Estamos falando do centro de São Paulo, do coração da cidade, da pulsação. A gente tem a tendência de pensar o centro como margem, porque as pessoas ali são pobres. Muitos textos críticos franceses falam de marginal, mas os personagens não estão à margem de. Será que não é o nosso olhar que os invisibiliza? Será que somos nós que não sabemos olhar? A tentativa desse filme é olhar para aquela multidão do centro e dar um zoom na vida de dois indivíduos e contar a história deles.

A pessoa em situação de rua está na nossa cara. O dependente químico está na nossa cara. O profissional do sexo está na nossa cra. Que margem é esta? À margem de quê, da sociedade? Mas eu penso geograficamente. Os personagens estão no coração, então creio que a generosidade do olhar do filme está no fato de encarar a multidão e, dizer que, dentro dela há histórias para contar. Quando fiz Corpo Elétrico, você tinha uma fábrica, uma linha de produção, e íamos dar um zoom em um dos operários para entender sobre estas individualidades.

Há situações muito duras que Baby vive. Fizemos uma pesquisa ampla com os meninos da Fundação Casa. Fizemos uma pesquisa com os profissionais do sexo de São Paulo. São vidas com muita dor, mas também com muita luta e alguma alegria, mas muita luta. Outra questão que acredito ser importante é não revitimizar os personagens. Eu falava para os atores: ‘Vocês não são vítimas, vocês são resistência, façam cara de resistência’.

MS — Na minha crítica, mencionei que não é uma crise de identidade, mas uma de resiliência dentro do filme. Como sobreviver dentro de uma realidade que, talvez, não quisesse que eu sobrevivesse.

MC — Se você se coloca no lugar de vítima, você perde o poder sobre você. Já tiraram este poder de você: a escola, a polícia, as estruturas governamentais etc. e se você mesmo se coloca neste lugar, você abre mão de seu poder. Então, você tenta manipular o mundo por sua condição. É por isto que o filme tem muita luta: o boxe ou o voguing (a cultura do ballroom). É usar da alegria, da irreverência, do corpo para manifestar a violência contra este mundo violento contra você.

MS — E aí você devolve em afeto, em estruturas familiares. Pessoas que se transformam em famílias por escolhas.

MC — Quando comecei a fazer sobre o filme em 2017, a cultura do ballroom não estava difundida, mas já havia as famílias de proteção de jovens rompidas com suas famílias biológicas, a Família Stronger por exemplo. Só que de 2017 para cá, o voguing entrou muito forte como fonte de união destes grupos. Além de ser bastante bonito e cinematográfico. Paris is Burning é um filme marcante para mim, a série Pose também.

Há um caminho que o voguing abriu para mim, uma disputa, uma rinha combativa, uma bicha contra a outra, uma trans contra a outra. Você sofre muita violência e pode responder o mundo com reatividade, então você deve encontrar uma forma artística que transforma esta violência em algo belo e que não te destrua. É uma catarse absoluta. Há afeto, mas há também a transformação da violência em algo que seja catártico.

frame do filme Baby, exibido em Cannes (2024)
Baby (2024)

MS — E em algo que seja construtivo.

MC — No fundo, se você simbolizar a violência enquanto arte ou esporte, você não precisa destruir ninguém, e nem se destruir. Da mesma forma que trabalhamos trauma em filmes, trabalhamos as nossas cicatrizes pessoas nos filmes que fazemos.

MS — Você está trabalhando alguma cicatriz sua em Baby?

MC — O filme começa autobiográfico e então começo a me distanciar dos personagens a partir do processo de pesquisa. Mas há sempre os amores que se foram, já que o filme é sobre o amor impossível, um tipo de filme que amo. Tenho para mim que nunca ficaremos com a pessoa que mais nos apaixonamos. A pessoa por quem pegamos fogo e nos destrói, ela irá embora, e nós ficaremos com a pessoa que não nos destrói.

MS — Bem que Platão já dizia, não.

MC — E a relação entre Baby e Ronaldo é bonita, não é apenas amor, tem também uma questão de unidade econômica. Priscila, Ronaldo, Jana e filho estão discutindo sobre plano de saúde e sobre cursinho. O Baby e seus colegas de voguing estão no ônibus pedindo dinheiro para comer o McDonald ‘s deles. É bom falar da família como isto, porque a família não é um conceito apenas biológico e religioso, mas econômico e afetivo também.

Neste sentido, quando mostramos essas famílias todas, desvelamos a importância da biologia na criação desses afetos.

MS — Como você acha que Baby pode ajudar a comunidade queer a lidar com sua identidade e a questão do afeto?

MC — Acho que vivemos, no Brasil, uma onda brasileira muito parecida com a norte-americana da década de 1990. Apesar de todos os “nãos”, esta geração decide fazer histórias sobre personagens LGBTQIAPN+. Quantas vezes já escutei “você faz filme para nicho”, “você faz filme para festival gay”, “as pessoas não vão entender seu filme”, “os héteros vão sair da sala”. Mas tanto eu quanto parte de nossa geração usamos isso como arma, vamos sofisticar a nossa cinematografia, fazer um excelente cinema em termos de linguagem para poder seduzir as pessoas pelo arte que fazemos. Não estamos discursando, não é um mestrado, é arte.

Filipe Matzembacher e Marcio Reolon, André Antônio, Júlia Katharine, Gustavo Vinagre, Caetano Gotardo, Juliana Rojas e Marco Dutra, e se pensarmos nos festivais internacionais, o Karim Aïnouz que talvez tenha sido o precursor.

MS — Você está ansioso pela premiação?

MC— Não, porque a premiação diz mais sobre os jurados do que sobre os filmes.

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