Candango: Memórias do Festival resgata história do cinema brasileiro, diz diretor
Em seu primeiro documentário, Lino Meireles traz um olhar afetivo ao Festival de Cinema de Brasília, o mais tradicional do país
atualizado
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Nascido e criado na capital do país, Lino Meireles não sabe dizer, ao certo, quando esteve pela primeira vez no tradicional Festival de Cinema de Brasília. Contudo, é assertivo ao mencionar a ocasião em que percebeu que a mostra guardava tantas memórias quanto os protagonistas dos filmes que exibe, ano após ano, há mais de cinco décadas.
O estalo veio em 2016, ao encontrar o amigo Dirceu Lustosa na 49ª edição do evento. Naquele ano, o diretor comemorava duas décadas da exibição de seu primeiro curta-metragem, Depois do Escuro — trabalho que também marcou a estreia de Rodrigo Santoro no cinema.
“Dirceu organizou uma exibição do curta, a equipe da época foi assistir, e o Metrópoles fez uma matéria. Pensei em todas as histórias de afeto e de memórias pessoais que os jornais não tinham contado neste tempo todo e corriam o risco de se perder no tempo. Essa foi a gênese”, recorda Meireles.
Assim nasceu Candango: Memórias de Um Festival, projeto composto por um livro, lançado em 2017, um filme que estreou na última sexta-feira (23/10) na 44ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, uma das mais importantes da América Latina, e um banco de dados sobre o mais “combativo” festival do Brasil. A produção fica disponível, gratuitamente, até o próximo dia 4 de novembro. Para assistir, clique aqui.
Tanto o livro quanto o documentário foram baseados em entrevistas com mais de 70 grandes nomes do cinema nacional, entre atores, atrizes, cineastas, produtores, críticos de cinema e organizadores do FBCB. Um elenco tão cheio de estrelas que Meireles custou a acreditar que iria encontrar pessoalmente.
“Comecei sem muitas esperanças de conseguir entrevistar grandes nomes do cinema brasileiro. Afinal, não tenho carreira no cinema, e minha relação com o Festival é de mero espectador. Me surpreendi. Todo mundo que contatamos queria falar. Obviamente, não pela oportunidade de falar comigo, mas para falar deste grande xodó que é o Festival de Brasília”, destaca o diretor.
Personagens icônicos do cinema
Em quase 70 horas de gravação, veteranos como Ruy Guerra, Cacá Diegues, Neville D’Almeida, Lúcia Murat, Helena Ignez e Suzana Amaral juntam-se a nomes da nova geração – entre eles, Kiko Goifman e as atrizes Marisol Ribeiro e Maeve Jinkings –, para tentar resumir 50 anos de história do Festival.
Os brasilienses José Eduardo Belmonte, Maíra e Iberê Carvalho, Santiago Dellape, Cibele Amaral, Juliano Cazarré e Murilo Grossi também dão testemunhos para o longa.
“Para mim, foi um misto de pavor e intimidação. Minha experiência com entrevistas era zero. A Yale, diretora de produção, é também uma jornalista experiente, então ela que conduziu as primeiras, para eu ter ideia do que fazer. Aí me obriguei a começar. Minha primeira entrevista foi com Vladimir Carvalho. Ele tem larga experiência não só de cinema mas também em dar entrevistas sobre o assunto, então achei que seria a menos intimidadora”, recorda Meireles.
Ledo engano. O diretor conta que o frio na barriga foi seu companheiro “da primeira à última entrevista”. “Essas figuras mitológicas do nosso cinema estavam falando comigo a troco de nada, só uma vontade em ceder seu tempo em nome do Festival de Brasília. Eu não podia deixar pensarem que era uma perda de tempo”, frisa Meireles.
O objetivo foi cumprido — o resultado é uma narrativa que não só evidencia a importância do Festival para o cinema brasileiro mas que se confunde, também, com a luta da classe artística por liberdade de expressão e promoção da cultura. Batalha essa que não se limitou aos anos de chumbo da ditadura militar, entre 1972 e 1974, quando o evento candango foi censurado.
“Em certo momento, fiquei em dúvida quanto à viabilidade de inscrever este projeto em outros festivais. Afinal, por que um festival de cinema promoveria um filme sobre um concorrente? Só que Candango não é só um filme sobre um festival, é um filme sobre o nosso cinema como um todo, e esta é uma causa de união, não de concorrência. Ainda mais na situação atual, que é de pleno desmonte cultural. Participar da Mostra de SP e do Los Angeles Brazilian Film é maravilhoso. A gente vê que a história do Festival de Brasília só agrega boa vontade. É o seu legado mais importante”, destaca o diretor.
Vem mais!
Depois de quatro anos dedicados ao projeto, Lino pretende continuar trabalhando pelo resgate da memória do cinema brasileiro. Um dos primeiros passos é o banco de dados com registro digital das informações sobre o FBCB. Clique aqui para acessar.
“Trabalhar neste filme envolveu muita pesquisa e busca por material. No país, não se dá a devida atenção à preservação cultural. Isso não vem só de um governo, é uma tendência constante. As instituições que se dedicam à preservação, como a Cinemateca Brasileira, os Arquivos Públicos, a EBC, e outros, fazem trabalhos heroicos e recebem pouco apoio. Muitos dos diretores que entrevistei não tinham cópias dos próprios filmes”, salienta.
“Entrevistei uma diretora sobre um filme que foi um marco na carreira dela sem que eu tivesse o assistido. Perguntei como deveria fazer para ver a produção, de 1996, e a resposta foi que não tinha como. Por isso, espero trabalhar em um projeto de restauração”, adianta Lino Meireles.
Como assistir
Candango: Memórias do Festival está em cartaz na 44ª Mostra de SP até o dia 4 de novembro, em streaming. Para acessar o documentário, basta clicar aqui e assistir ao longo de graça.
Com o intuito de ampliar a acessibilidade, Candango: Memórias do Festival tem recursos de libras, audiodescrição e legendas descritivas, e que estarão disponíveis gratuitamente através do aplicativo MovieReading. Para utilizar, basta sincronizar o recurso escolhido no app para Android ou iOS com a exibição do filme na plataforma on-line.