Ator da periferia do DF supera dificuldades e é destaque em Marighella
Jorge Paz também integra o elenco de grandes produções do streaming como Irmandade, da Netflix, e Cangaço Novo, próxima aposta da Amazon
atualizado
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Desde a estreia, no último dia 4 de novembro, o filme Marighella reascendeu o debate sobre os horrores da ditadura militar. Além do protagonista vivido por Seu Jorge, outro ator de bastante destaque na telona tem levado enxurrada de elogios por sua interpretação visceral: Jorge Paz, de 36 anos.
Na trama, o papel de Jorge homenageia diversos guerrilheiros, em especial o potiguar Virgílio Gomes da Silva, morto nos porões da ditadura militar. No auge de sua devoção à causa, o personagem histórico é torturado, e, entre cusparadas e pontapés, exclama: “Vocês estão matando um brasileiro, estão matando um patriota!”. O martírio é retratado no longa de Wagner Moura.
Nascido em Sobral, no Ceará, e radicado no Distrito Federal aos 4 anos de idade, Jorge Paz precisou superar desafios comuns a quem sai da periferia determinado a alcançar seus sonhos. Nem a falta de dinheiro ou os diversos “nãos” que ouviu ao longo do caminho foram capazes de dissuadi-lo de seus objetivos. Agora, além de ter seu rosto estampado nas principais salas de cinema do país com Marighella, também integra o elenco de grandes produções do streaming como Irmandade, da Netflix, e Cangaço Novo — próxima aposta da Amazon, ainda em fase de gravação.
Trajetória
Quando a cabeleireira Rosa Ribeiro Paz trouxe os dois filhos pequenos para a capital federal, teve como primeiro pouso, não por acaso, a cidade com maior raiz nordestina do DF: Ceilândia. A vivência com os cheiros, gostos, sotaques e sons da terra natal mantiveram em Jorge a forte ligação com sua ancestralidade. “Quando me perguntam, eu digo que sou de Brasília, mas em seguida explico que também sou nordestino. Eu me sinto pertencente a esses dois lugares”, diz o ator, em papo exclusivo com o Metrópoles.
A decisão de se tornar ator aconteceu aos 14, mas a condição financeira de ingressar em um curso de teatro só aos 16. Na época, Rosa se desdobrava como mãe solo para alimentar Jorge e o irmão caçula. Ele então começou a trabalhar e entrou para a oficina dos atores Abaetê Queiroz e Edson Duavy, no projeto Circo Íntimo, ministrada no teatro Dulcina de Moraes (Conic).
Dos Irmãos Guimarães do Dulcina a Hugo Rodas da UnB, Jorge Paz passou os 10 anos seguintes buscando nos principais nomes do teatro da capital federal a base para a sua formação. Além de se preparar para interpretações para o cinema e TV com os renomados Sergio Penna, de São Paulo, e Ricardo Blat, do Rio de Janeiro. Os estudos possibilitaram que o artista ganhasse seu sustento apenas com seu talento.
Mas, aos 26 anos, Jorge decidiu que gostaria e poderia ir além na carreira. Com a cara e a coragem, fez a mochila e embarcou para o Rio de Janeiro com apenas R$ 300. “Eu estava disposto a dormir na rua, se preciso, mas tive um amigo que me conseguiu um lugar para ficar”, lembra. Os primeiros sete anos foram dureza, sem conhecer ou conseguir chegar até os produtores de elenco, virou garçom. “Eu continuava tentando fazer alguns testes, fiz algumas pontas na Globo, mas precisava pagar as contas. Apesar dessas dificuldades, desistir nunca foi uma opção”, afirma.
A virada
Ao ver no noticiário que Wagner Moura se preparava para produzir e dirigir a história de Carlos Marighella, percebeu uma oportunidade. “Eu não conhecia a história, mas comecei a pesquisar, vi todos os documentários, li tudo e já ficava especulando qual personagem eu poderia fazer ali. Mas eu não tinha um agente, nem acesso aos produtores do elenco”, conta.
Foi atrás do balcão do bar, enquanto preparava um drinque para um cliente, que Jorge Paz viu sua sorte começar a mudar, em 2013. “O Wagner apareceu na TV, em uma entrevista, e um cliente afirmou que sabia onde ele morava. Eu pedi, e ele me levou até lá. Como já era tarde, voltei no outro dia e deixei uma carta na caixa de correios dele contando a minha história e pedindo para fazer o teste para o filme”, recorda.
Anos se passaram e Jorge Paz pensou que sua estratégia havia falhado, quando, em 2017, um dos produtores de elenco o adicionou no Facebook e prometeu avisá-lo das datas e locais dos testes, mas o contato não aconteceu. O ator insistiu e descobriu através de uma amiga as informações que precisava e persistiu até ser aprovado para o papel. “Nos bastidores, eu perguntei e ele [o Wagner] me disse que recebeu minha carta, mas que eu não consegui o papel por causa dela. Mas eu tenho certeza que ele não se arrependeu, queria que ele tivesse orgulho de mim, e acho que consegui”, considera. “Marighella é o filme da minha vida. Todas as oportunidades que me apareceram, foi por causa dele, mesmo antes de ele ser lançado”, completa, com gratidão.
Jorge Paz considera que a sua história de superação e resistência pode servir de exemplo para crianças e jovens de periferias de todo o Brasil, que sofrem com a ausência do Estado e de políticas culturais efetivas. “Existem muitos meninos e meninas que sonham em ser atores e atrizes. Eu quero muito que eles saibam que um deles saiu lá de baixo, mesmo quando toda a estrutura social estava contra e conseguiu quebrar essas barreiras”, conclui.