Análise: Capitã Marvel e o amor libertador entre mulheres
Com um tom bem mais sério que os outros longas do universo expandido, o filme traz reflexões importantes sobre a mulher que se reconstrói
atualizado
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Com quase dois anos de atraso em relação à concorrente DC Comics, o primeiro filme de heroína da Marvel rompeu não só com alguns vícios narrativos do MCU – para uma produção da editora, Capitã Marvel é um pouco séria demais – como também com uma série de padrões de representatividade da mulher dentro do audiovisual.
A heroína está quase sempre de cara fechada e muito dificilmente dá meios sorrisos. Em certo momento do filme, um homem a assedia, pedindo que sorria para ficar mais bonita (quem não ouviu essa na rua?). A seriedade da personagem não é à toa: a Capitã Marvel não vai mudar as próprias expressões e comportamento para agradar ao público masculino. Eles precisam se acostumar com uma heroína tão turrona quanto Hulk, Wolverine e Batman.
O longa passa com facilidade no Teste de Bechdel: as relações mais importantes dessa história são entre mulheres. Queerbaiting ou não, o fato é que o relacionamento mais significativo da vida de Carol Danvers (Brie Larson) é sua amiga Maria Rambeau (Lashana Lynch). Mar-Vell, a entidade extraterrestre que guiou a heroína nos quadrinhos (e que tinha um relacionamento amoroso com ela nas HQs) era originalmente um homem, mas a produção decidiu escalar Annette Bening. Nada mais justo: a pessoa mais admirada por Carol é uma competente e pacifista piloto da Força Aérea Americana.
Para entender a importância desses relacionamentos, é preciso rever a trajetória de Carol – e a partir de agora, com licença, teremos spoilers. A jovem piloto levava uma vida feliz em seu trabalho: ao lado da melhor amiga, queria chegar “mais alto, mais adiante, mais rápido”. Depois de sofrer um acidente e ser exposta a energia nuclear alienígena, ela perde a memória e ganha superpoderes. A jovem se torna Vers, uma soldado Kree treinada por Yon-Rogg (Jude Law).
Por mais que a vida de Vers pareça ser mais empolgante que a de Carol – ela tem superpoderes, viaja entre galáxias e evolui enquanto guerreira –, a personagem é constantemente tolhida por Yon-Rogg. O líder, em vez de estimular a pupila a compreender plenamente os próprios poderes, instala em seu pescoço um aparato destinado a reduzir suas capacidades mágicas e a reprime quando ela se irrita e o ataca com mais força durante um treinamento.
Se a heroína aparenta estar procurando a própria identidade – afinal, ela perdeu todas as memórias de Carol Danvers –, esta busca diz respeito, sobretudo, ao relacionamento abusivo estabelecido entre Vers e Yon-Rogg. O instrutor não só a impede de viver completamente suas capacidades físicas e mentais como também é o responsável pela sua perda de memória. Como muitas mulheres sabem, sair de uma situação assim é difícil justamente pela necessidade de se ressignificar cada aspecto da própria vida.
A caminhada de Vers para se tornar Carol novamente só se inicia no reencontro com Maria. Capitã Marvel bate na mesma tecla de filmes como Valente (2012), Frozen (2013) e Malévola (2014): o amor entre mulheres, independentemente do tipo de relação afetiva estabelecida, liberta. E quer pessoa mais poderosa que uma mulher livre?