Abbas Kiarostami, maior diretor iraniano, morre aos 76 anos
Celebrado autor de “Close-up” (1990) e “Cópia Fiel” (2010) morreu em Paris nesta segunda (4/7), após lutar contra um câncer gastrointestinal
atualizado
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Um dia após a morte de Michael Cimino (“O Franco Atirador”), o cinema perde mais de um seus mestres nesta segunda (4/7). O iraniano Abbas Kiarostami, diretor que testou os limites entre documentário e ficção e realizou alguns dos filmes mais poéticos das últimas décadas, morreu em Paris aos 76 anos, após lutar contra um câncer gastrointestinal. A doença foi descoberta em março e o artista estava em tratamento desde então.
Celebrado internacionalmente como o maior mestre do cinema iraniano, Kiarostami era um homem de narrativas tão simples quanto cerebrais. Teve como grande honra oficial a Palma de Ouro no Festival de Cannes em 1997, por “O Gosto de Cereja”, singela história de um motorista que procura alguém para enterrá-lo após seu suicídio.
Ao longo da extensa carreira, iniciada em 1970, acumulou uma porção de outros grandes filmes. Kiarostami era capaz de feitos artísticos e políticos: falava sobre a vida comum no Irã e, por meio de expedientes cotidianos, também problematizava o próprio olhar do cinema sobre a realidade. Era sua maneira sutil de “contrabandear” comentários sobre opressão autoritária por meio da câmera.
Esse encontro entre fruição e política aconteceu com maestria na obra-prima “Close-up” (1990), uma dramatização que reúne os envolvidos reais no caso de um homem que fingiu ser o cineasta Mohsen Makhmalbaf e invadiu o cotidiano de uma família.
Kiarostami ainda ousou dar voz às mulheres de seu país em “Dez” (2002), em que uma motorista conversa com tipos diversos – de uma prostituta a uma religiosa.
Em sua fase recente, Kiarostami se distanciou de questões locais para filmar fora do Irã. Rodado na Itália, “Cópia Fiel” (2010) acompanha as metamorfoses de um casal (vivido por Juliette Binoche e William Shimell) cujo relacionamento se modifica ao longo de um dia.
Cada vez mais em busca de imagens-síntese, Kiarostami leva adiante a narrativa de “Cópia” em “Um Alguém Apaixonado” (2012), seu último filme. Mesmo sem falar nada da língua local, o iraniano narra aqui as andanças de uma prostituta no Japão. O resultado é uma obra-prima subestimada: entre imagens espelhadas e planos misteriosos no interior de carros – uma de suas marcas –, o autor se aproxima de Yasujiro Ozu com a tranquilidade e a confiança de um músico de jazz.
Uma retrospectiva em imagens: os filmes de Abbas Kiarostami
Carreira
Nascido em Teerã, Kiarostami era um artista múltiplo. Além do cinema, colecionava trabalhos como fotógrafo e poeta. Na juventude, formou-se em pintura na Universidade de Teerã. Depois, trabalhou como designer e dirigiu comerciais.
A carreira de cineasta começa de fato em 1969, quando ele passou a dirigir o departamento de audiovisual do Kanun (Centro para o Desenvolvimento Intelectual de Crianças e Jovens). Pouco antes de a rígida censura afastá-lo da instituição, ele passou a ter reconhecimento internacional por seus filmes.
Em 1987, iniciou a trilogia Koker (nome de um vilarejo iraniano) com “Onde Fica a Casa do Meu Amigo?” (1987) – o ciclo foi completado por “Vida e Nada Mais (E a Vida Continua)” (1992) e “Atrás das Oliveiras” (1994).
Nos anos 1990, após “Close-up”, Kiarostami ainda impulsionou a carreira do amigo Jafar Panahi, que havia feito assistência de direção em “Oliveiras”. Hoje cerceado pelo governo autoritário do Irã, Panahi estreou em longas com “O Balão Branco” (1995): roteiro escrito por Kiarostami.
Apesar de também ter sofrido com o governo de seu país, o diretor era apaixonado pelas tradições poéticas e paisagens do Irã. Não por acaso, suas alegorias costumam envolver tanto versos quanto o visual de vilas e cidades do país.
Entre abril e maio, Kiarostami foi tema da mostra “Um Filme, Cem Histórias”, que percorreu unidades do Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB) em Brasília, Rio de Janeiro e São Paulo.