A protagonista do último cine drive-in
Em cartaz na cidade, o filme “O Último Cine Drive-in” mostra a história de Marlombrando (Breno Nina), um homem que, ao retornar à terra natal, reencontra o pai e o local onde passou a infância. No desenrolar da trama, o diretor Iberê Carvalho mostra a relação afetiva do personagem com o cinema, ameaçado de […]
atualizado
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Em cartaz na cidade, o filme “O Último Cine Drive-in” mostra a história de Marlombrando (Breno Nina), um homem que, ao retornar à terra natal, reencontra o pai e o local onde passou a infância. No desenrolar da trama, o diretor Iberê Carvalho mostra a relação afetiva do personagem com o cinema, ameaçado de demolição.
Quem encarou a fila quilométrica – que se estendeu do autódromo até a Torre de TV – para ver a pré-estreia do longa, talvez não imagine quem é a “verdadeira” protagonista do último drive-in do Brasil. Há 40 anos, Marta Fagundes vê os carros chegarem no início da noite para ver comédias, dramas e filmes de ação. De funcionária, ela tornou-se administradora e dona do cinema que é a cara de Brasília.“O Cine Drive-In foi inaugurado em 1973. Dois anos depois, eu e meu pai viemos trabalhar aqui”, lembra Marta, que distribuía balinhas na portaria. O pai, Jair Fagundes, trabalhava de dia no quartel e, de noite, atuava como administrador do cinema.
Em 1978, Marta terminou o ensino médio (o antigo segundo grau) e foi fazer vestibular em Porto Alegre, cidade onde nasceu. “Queria voltar a morar lá. Mas minha mãe pediu para eu voltasse. Cumpri a ordem e fui cursar Nutrição na Universidade de Brasília”, conta. O regresso à capital federal também foi sinônimo do reencontro com o Drive-in. “Fui chamada para uma reunião e me comunicaram que eu iria ser gerente. Fiquei assustada, mas aceitei. Tomei gosto pela coisa”.
Do drama ao final feliz
Mas nem tudo são flores. Em 1988, Marta já era administradora do cinema quando veio a primeira ameaça de fechar o drive-in. “Fiquei desesperada. Pensei: ‘vou perder o meu emprego’. Estava há tantos anos no cinema…Como ia ficar sem ele?”, diz.
Os donos não queriam mais cuidar do estabelecimento e ela assumiu a responsabilidade de cuidar do local. Ela vendeu o carro e precisou comprar vários equipamentos novos. “Fiquei numa situação super difícil. O drive-in só abriu as portas seis meses depois. Em 1989, após licitação, virei proprietária”.
Nos treze anos seguintes, o cinema driblou as dificuldades de uma sociedade complicada e o aumento de cinemas nos shoppings do DF. “Quando o drive-in nasceu, eram 12 cinemas. Hoje, são mais de 70. Até minha família sugeriu que eu fechasse. Eu lutei tanto. Como ia entregar os pontos?”.
Assunto do “Fantástico”
O jogo virou em 2011, quando o jornalista Marcelo Canellas descobriu a curiosa história do último cine drive-in do Brasil. A reportagem no “Fantástico” (TV Globo) despertou a memória e a curiosidade de muita gente que passou a vir de longe só para ver de perto a raridade brasiliense.
“A situação melhorou muito. Se no momento mais crítico eu fechava o mês com apenas 300 carros, hoje, são 1.500 veículos”, comemora Marta. “Foi um tempo difícil, mas agora são só vitórias. Primeiro, foi o documentário de Cláudio Moraes (“Cine Drive-in – Cinema sob o céu”) e agora o filme do Iberê. Espero que assim o governo perceba o trabalho que feito no drive-in”.
“Certa vez, uma pessoa veio de São Paulo para Brasília só para conhecer o cinema. Precisei arranjar um carro para que ela pudesse assistir ao filme”
O desabafo de Marta vem depois de muita luta em busca de reconhecimento pelo Governo do Distrito Federal. “O GDF não apoia. Eles mandaram um comunicado dizendo que iam demolir o cinema por causa de reforma no autódromo e da Fórmula Indy. Não querem saber se aqui há geração de empregos e ainda dizem que o cinema só serve para fazer sexo e coisas do tipo. Não sabem como o drive-in funciona e não valorizam a cultura”, dispara.
Reconhecimento popular
A correria de domingo a domingo é recompensada. De segunda a sexta, Marta trabalha na creche do Senado Federal, onde é nutricionista. O segundo turno, no Cine Drive-in, começa às 19h e vai até 23h30, mesmo horário do expediente de sábado e de domingo.
“Gostei muito do filme do Iberê. A experiência das gravações aqui foi muito emocionante. Nunca imaginei viver algo parecido”, revela. “Certa vez, uma pessoa veio de São Paulo para Brasília só para conhecer o cinema. Precisei arranjar um carro para que ela pudesse assistir ao filme”, diz Marta, com um sorriso de satisfação.
Fotos: Daniel Ferreira/Metrópoles; Arquivo Pessoal/Divulgação; Divulgação