“A gente prevê luta”, diz Letícia Sabatella sobre ser artista em 2019
Atriz participa do Festival do Rio com a comédia Happy Hour, coprodução entre Brasil e Argentina que deve estrear nos cinemas no ano que vem
atualizado
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Rio de Janeiro – Um dos destaques do Festival do Rio 2018*, o filme Happy Hour: Verdades e Consequências é falado em espanhol, português e o bom e velho portunhol. Coprodução entre Brasil e Argentina, o longa de estreia do niteroiense Eduardo Albergaria acompanha as crises de um casal formado pela deputada Vera (Letícia Sabatella) e Horacio (o argentino Pablo Echarri), um escritor frustrado que trabalha como professor universitário — o personagem também narra a história.
Os atores principais e o diretor deram entrevista ao Metrópoles sobre o intercâmbio latino promovido pelo filme. “Um tango”, brinca Sabatella. A produção ainda não teve data de lançamento divulgada, mas deve estrear no circuito comercial durante o primeiro semestre do ano que vem.
Como o filme também trata da presença feminina na política, as eleições de 2018 foram assunto da conversa. Para os artistas brasileiros, 2019 será um ano de luta e resistência. Mas eles também esperam que o país, inegavelmente polarizado, inicie rapidamente “um processo de cura”.
Leia entrevista de Letícia Sabatella, Pablo Echarri e Eduardo Albergaria sobre Happy Hour: Verdades e Consequências:
Na prática, como se dá esse intercâmbio latino no set de gravação?
Eduardo Albergaria: Somos condicionados a respeitarem as fronteiras. Mas elas, na verdade, não existem. O filme partiu de uma tese: “Somos mais parecidos do que as pessoas dizem”. A gente é irmão. Somos todos sul-americanos. Para mim foi bonito ver que tudo funcionou.
Pablo Echarri: O cinema é um espaço que iguala. Na questão técnica e artística, não há diferença entre Brasil e Argentina. A película fala de questões universais, de amor, desamor, casais. Coisas compreensíveis em todas as partes do mundo. Para mim, foi muito fácil me ligar a eles. Um passeio pelo parque.
Fiquei assombrado com a qualidade técnica e artística (do cinema brasileiro). Tem superado a Argentina nos últimos anos. A Lei Rouanet e as outras que contemplam o audiovisual são maravilhosas. Nós queremos ter o que o Brasil tem agora. Temos uma boa legislação de cinema, mas não uma boa de televisão e novas plataformas, que são o presente e o futuro.
Letícia, o filme acompanha de perto uma mulher na política. Como você tem visto a presença feminina nos espaços de poder?
É um mundo de verdades e mentiras, né. A vida pública e o que não é, o que tem que ser dito, os protocolos. A vida pulsante rompe os protocolos. Vendo a Alerj (Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro) depois de tudo que aconteceu, da morte da Marielle… É realmente muito difícil mesmo. As relações de poder ainda se sobrepõem ao serviço público. E a gente acaba vendo as consequências disso, essas intrigas do poder.
Vivemos um momento em que os cuidados sociais, a parte mais afetiva da sociedade, a preservação da cultura, da identidade, esse lado feminino precisam ser reivindicados senão pelos meios oficiais, pelos movimentos sociais. Têm que ser permitidos. Em geral, a mulher na política já vem carregada dessa equalização. Mas precisamos associar o desenvolvimento com uma prática de cuidados sociais, por uma sociedade mais igualitária e justa, que dê comida e saúde a todos os seus filhos.
Eduardo, como foi para você ter essa oportunidade de coprodução já no seu filme de estreia? Que possibilidades isso trouxe?
Fazer um filme é um ato de fé absoluta. Tudo pode dar errado. Tem um característica na história desse filme. Num dado momento, no primeiro tratamento do roteiro, era uma história unicamente brasileira. Mas entendi que, pelo cenário do cinema nacional, seria interessante buscar um olhar de fora. Sou muito fã da cinematografia argentina. Não sou das capitanias hereditárias do cinema brasileiro. Foi tão simples quanto escrever um roteiro e mandar para algumas pessoas. A ideia bate e volta.
Ganhei na loteria. Foi um privilégio danado. Existe essa característica do cinema argentino de acreditar muito nas histórias. Para fazer o filme, eu precisava deles. Ganhei força com eles. Minha convicção é que os brasileiros começaram a acreditar no projeto depois que os argentinos acreditaram.
Eduardo e Letícia, qual a expectativa de vocês para o cinema e a cultura a partir do ano que vem? Temem retrocessos? Acreditam numa resistência artística?
EA: O Brasil inteiro está dividido. Entendo que a cultura, a arte e o cinema vão continuar no seu lugar natural. Não é que a arte vai ser resistência ano que vem. A arte é resistência e ponto final. A gente não vai desaparecer. Talvez exista um desejo de que o contraditório desapareça. No processo civilizatório, há espaço para o contraditório. Pelo contrário, talvez nosso propósito fique ainda mais evidente, não digo para nós, artistas, mas para a própria sociedade. Essa cisão abre feridas profundas no coração. Estamos aqui para investigar isso.
LS: A arte é da ordem de algo tão vital. Experimentamos um momento de inconsciente coletivo tão adoecido. O que vai dar conta disso tudo é a sensibilização através da arte. Se comporta como algo que é eterno, que está sempre se refazendo. Sim, nós (artistas) não estamos contando muito com boas palavras desde a campanha. Mas será um exercício de cidadania. Foi fomentada a politização da sociedade. Precisaremos exercer ao máximo o que conhecemos de constitucional, de observação, de atenção.
É muito gostoso construir incentivos, leis. A abertura do cinema nos últimos anos levou o garoto da favela para concorrer em Cannes. Por mais que exista um poderio querendo nos escravizar, nos sugar, nos explorar visando o lucro imediato, existe um bom senso que paira na alma de todo mundo que é essencialmente brasileiro. E, nessa hora, o caminho é valorizar o que temos de mais precioso, não só absorver o que vem de fora. Mas a gente prevê luta.
EA: Só um pequeno parêntese. Precisamos ter a compreensão de que a arte é para todos. Ela é um bem comum. Vai ter luta. Mas existem instituições, leis, processos. Acredito, como artista, que as instituições brasileiras vão servir ao país. Tenho esperança de que as coisas possam se pacificar. Como brasileiro, espero que comecemos rapidamente um processo de cura. Nos pequenos círculos, nos grupos de amigos, nas famílias. Acho que a arte vai ajudar.
*O repórter viajou a convite do Festival do Rio 2018