A Baleia endossa a gordofobia ou conscientiza sobre o preconceito?
A Baleia, protagonizado por Brendan Fraser, estreou nos cinemas nessa quinta-feira (23/2) e dividiu opiniões da crítica especializada
atualizado
Compartilhar notícia
Mesmo que apresente uma virada de chave na carreira de Brendan Fraser e aborde temas sensíveis, o filme A Baleia (The Whale, no título em inglês) vem sofrendo críticas de especialistas e do público por, supostamente, abordar o corpo gordo de forma pejorativa. No Rotten Tomatoes, por exemplo, a produção tem 91% de aprovação da opinião pública, mas apenas 65% no “tomatômetro” — índice que mede as críticas de especialistas em cinema.
Em A Baleia, Brendan Fraser interpreta Charlie, um professor de 270 quilos, que não consegue sair do sofá, e repleto de problemas emocionais. A produção de Darren Aronofsky apresenta de forma muito clara e aterradora as dificuldades diárias de uma pessoa obesa mórbida — desde pegar uma chave no chão até levantar do sofá.
O The Hollywood Reporter, por exemplo, concluiu que “haverá lágrimas” para os espectadores do filme. A crítica indica a claustrofobia causada por Darren ao mostrar as dificuldades de locomoção do corpo obeso:
Assista ao Metrópoles Já Viu de A Baleia:
“Sua fisicalidade, esforçando-se para navegar em espaços difíceis e manobrar um corpo que requer mais força do que Charlie deixou, é angustiante de testemunhar, assim como seus acessos de tosse, engasgo e falta de ar. Nas poucas ocasiões em que luta para ficar de pé em toda a sua altura, ele preenche o quadro, uma figura de tremendo pathos menos por seu tamanho do que por seu sofrimento”.
O The Guardian, por sua vez, deu três de cinco estrelas para a produção, apontando que Aronofsky “nos desafia a ver além de nossos preconceitos e ideias pré-programadas de atratividade para encontrar a beleza em Charlie”, mas “atira em Charlie de uma forma que acentua a indignidade de sua existência baseada principalmente no sofá”.
“A câmera está posicionada abaixada enquanto Charlie se levanta, reduzindo esse personagem complexo e ferido a pouco mais que uma cascata de carne. Depois, há a iluminação abafada e ligeiramente desagradável e a paleta de cores da sala de Charlie, que parece ter sido filmada de dentro de um cesto de roupa suja particularmente fétido”, aponta.
Crítica: A Baleia é aterradora virada de chave na carreira de Fraser
Mas quase tudo sobre Charlie – o som de sua respiração, a maneira como ele come, se move e transpira – sublinha sua abjeção, a ponto de parecer cruel e voyeurista.
The New York Times
A crítica pública também se divide. “Ele não tem problemas com sua imagem corporal – ele desistiu completamente de seu corpo. Ele não é infeliz porque é gordo, mas gordo porque é infeliz”, afirma uma usuária do Rotten Tomatoes.
“Não há nada conscientemente sinistro sobre o uso de A Baleia do distúrbio alimentar de Charlie (a peça original foi, de fato, escrita a partir da experiência), mas a adaptação de Aronofsky é cruel, não apenas para o personagem de Charlie, mas para todos eles”, aponta outro.
Opinião do diretor e do elenco de A Baleia
A atriz Hong Chau, que vive Liz na produção e foi indicada ao Oscar de Melhor Atriz Coadjuvante por A Baleia, chegou a comentar sobre as críticas ao filme. Ao The Hollywood Reporter, ela disse:
“Nós [da equipe do filme] sabemos como nos sentimentos sobre ele, mas não nos machuca ouvir outras pessoas… Pessoas que há muito tempo tem se sentido frustradas com a forma como Hollywood representa a obesidade. A forma como eles se sentem é totalmente válida. Posso ter orgulho do filme e mesmo assim estar aberta a críticas.”
Já Darren apontou, ao site A Gazeta: “Existem artistas que se debruçam sobre o mundo que forja seus personagens, de fora para dentro. A forja que me interessa vem de dentro para fora, ou seja, é o mundo interno dos protagonistas, o oceano que mora em Charlie”.
Vale lembrar que A Baleia foi indicado em três categorias ao Oscar 2023, sendo: Maquiagem e penteado, Melhor Ator (Brendan Fraser) e Melhor Atriz Coadjuvante (Hong Chau). No começo do ano, Brendan venceu o Critics Choice Awards 2023 por Melhor Ator.
Contraponto
Caio Coletti, jornalista e repórter do Omelete, conversou com o Metrópoles sobre o filme, ao qual ele indicou, em sua crítica para o site, que é “inautêntico, maniqueísta e nojento”.
O jornalista apontou que o diretor do filme “aborda o Charlie de um ponto de vista exotizado, como um objeto para o espectador olhar e, acima de qualquer outra reação, sentir nojo”. Ele ainda questiona: “Essa pessoa vai tratar as pessoas obesas com solidariedade na sua vida, o filme serviu para humanizá-las na cabeça do espectador, ou ele vai continuar pensando nessas pessoas como só uma estatística médica, um caso de — no máximo — piedade?”.
“A minha impressão ao assistir ao filme é que qualquer boa intenção que havia na representação das dificuldades de uma pessoa obesa – e eu tenho certeza que havia boa intenção no texto do Samuel D. Hunter – não é sustentada pela direção do Aronofsky”, inicia.
“Como eu digo na minha crítica, isso não provoca empatia – e a forma como as pessoas reagem à representação contida no filme, dizendo que ela é a ‘verdade nua e crua’ e questionando se ‘queríamos que o filme romantizasse uma doença’ na verdade só prova isso. Essas são as palavras de alguém que se sensibilizou com o Charlie?”, completa.
Caio, no entanto, indica que A Baleia não é um filme gordofóbico, ou que Darren Aronofsky seja uma pessoa preconceituosa contra gordos:
“Eu acho que o problema dele é de outro aspecto, de instrumentalizar uma história que é a de muitas pessoas em busca de lágrimas, de respaldo acadêmico, de valor de choque. Acima de tudo, eu queria ouvir o que as pessoas obesas têm a dizer sobre esse filme, porque esse é outro aspecto, que é ignorado quando as pessoas reagem às críticas de a A Baleia – será que esse pessoal considera o obeso humano o bastante pra ouvir o que ele acha do filme que o representa? Eu tenho a impressão que não. Assim como o público que reage às críticas de forma violenta, A Baleia parece achar que é dono da verdade ‘nua e crua’ sobre o assunto que aborda, e isso acima de tudo faz ele falhar como filme para mim.”
O jornalista faz questão de destacar a atuação de Brendan Fraser. “Eu começo a minha crítica dizendo que o Brendan Fraser é um baita ator, e sempre foi um baita ator. Esse redescobrimento dele em Hollywood é muitíssimo bem-vindo, e ele empresta ao Charlie absolutamente toda a credibilidade e sinceridade que ele consegue”, diz.
“É uma performance hercúlea mesmo, ele vende aquele otimismo e aquela empatia do personagem com uma sinceridade impressionante. Eu acho que nenhuma crítica ao filme, e eu claramente tenho muitas, precisa ou deve diminuir o trabalho dele”, pontua.