Censura de livros nos EUA e Brasil eleva luta por liberdade literária
Censura de livros como O Avesso da Pele e Outono de Carne Estranha, além de movimentos nos EUA, acendem alertas na comunidade literária
atualizado
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Em 2019, a Bienal do Livro do Rio de Janeiro — considerado o maior festival de literatura do país — encarou a censura de livros ao ver a obra Vingadores, a Cruzada das Crianças ser retirada das estantes por ordens do então prefeito, Marcelo Crivella, por conter uma ilustração de dois personagens masculinos se beijando.
O tema causou tamanha polêmica que na Bienal carioca de 2023, três anos após o ocorrido, blusas, canecas e blocos de anotações eram vendidos com os dizeres “Este livro é impróprio para pessoas atrasadas, retrógradas e preconceituosas”, mesma logo usada nos quadrinhos censurados em 2019, comprados pelo youtuber Felipe Neto e distribuídos no próprio evento.
🚨 RELEMBRE: Há quatro anos, Felipe Neto distribuía gratuitamente 14 mil livros com temática LGBTQ+, que foram censurados pelo então prefeito Crivella na Bienal do Livro do Rio. pic.twitter.com/G0m2GZ8kYC
— ACERVO (@AcervoCharts) March 29, 2023
A história em quadrinhos escrita pelo norte-americano Allan Heinberg, no entanto, não foi a primeira e nem a última obra literária a sofrer represálias por seu conteúdo. Mais recentemente, a censura do livro O Avesso da Pele, escrito por Jefferson Tenório, causou revolta, espanto na comunidade literária e temor pelo futuro da literatura.
Vencedor do Prêmio Jabuti 2021 com O Avesso da Pele e nome respeitado no meio literário, Tenório se viu criticado pela diretora de uma escola no Rio Grande do Sul, além de professores, críticos, políticos e influenciadores por usar palavras de “baixo-calão” em sua obra, que aborda o racismo estrutural.
A atenção que O Avesso da Pele recebeu da mídia reflete sua relevância e o papel que cada obra literária desempenha na promoção de uma sociedade mais informada, justa e reflexiva.
Sevani Matos
O mesmo aconteceu com Outono de Carne Estranha, de Airton Souza. Durante a Feira Internacional Literária de Paraty (FLIP), em novembro do ano passado, a leitura de um trecho com conteúdo sexual explícito causou desconforto entre a direção do Sesc, responsável pelo Prêmio Sesc de Literatura, do qual a obra foi campeã.
“A censura, mesmo que discreta, representa uma ameaça direta à liberdade de expressão, um pilar de nossa sociedade democrática assegurado pela Constituição. É preocupante observar incidentes de censura como os mencionados, refletindo uma tendência que deve ser combatida com veemência”, reflete Sevani Matos, presidente da Câmara Brasileira do Livro (CBL).
Censura de livros no mundo
O movimento de censura a literatura, no entanto, não se limita apenas ao Brasil. Levantamento feito pela American Library Association aponta que 4.240 títulos foram retirados de bibliotecas no ano passado, registrando aumento de 65% em comparação a 2022.
Em território norte-americano, um lobby conservador se organizou para incentivar seus membros a denunciar livros que considerem inadequados. Eles ainda pedem, segundo o New York Times, por uma legislação que regula o conteúdo das coleções de bibliotecas.
“Acompanhamos com preocupação os recentes casos de censura de livros nos Estados Unidos. Essa é uma preocupação em todo o mundo, tanto que na Feira do Livro de Londres [em março], cinco organizações internacionais representando autores, editores, livreiros e bibliotecas em todo o mundo lançaram a Declaração Internacional Sobre a Liberdade de Expressão e as Liberdades de Publicação e Leitura”, completa Sevani.
Na declaração em questão, cinco organizações representando autores, editores, livreiros e bibliotecas em todo o mundo emitiram um manifesto conjunto, “onde destacam a importância da defesa da liberdade de expressão, das liberdades de leitura e de publicação, e convoca governos e cidadãos a garantir que essas liberdades sejam respeitadas na lei e na prática”.
Resistência e defesa
Assim como o episódio das HQs em 2019, durante a Bienal, a tentativa de censura a Tenório e ao livro Outono de Carne Estranha, entre tantas outras histórias, viram um efeito reverso a tentativa de exclusão. O Avesso da Pele, por exemplo, passou semanas na lista de mais vendidos da Amazon Brasil, registrando aumento de 400% em vendas.
Além disso, intelectuais do meio, associações literárias e leitores se unem para não permitir a exclusão de livros, deixando claro a importância da livre literatura e da liberdade de expressão.
“Embora possamos observar tentativas de limitar a liberdade literária, também vemos um forte movimento de resistência e defesa da expressão livre no Brasil. A cultura de um país é reflexo de sua sociedade, e a censura, em qualquer forma, é contrária ao nosso compromisso com a diversidade e a riqueza cultural”, reflete a presidente da CBL.
“A literatura é uma janela para o mundo, oferecendo aos jovens a oportunidade de explorar ideias, histórias e perspectivas diversas. Quando essa janela é fechada, privamos nossos estudantes de uma educação rica e diversificada, essencial para o desenvolvimento de sua capacidade crítica e empatia. O desafio da censura nas escolas vai além da literatura; ele toca a base de nossa capacidade enquanto nação de cultivar cidadãos informados, críticos e participativos”, finaliza Sevani Matos.