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Cannes: The Zone of Interest, de Jonathan Glazer

Um dos mais esperados do Festival traz um olhar novo sobre um olhar antigo.

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Festival de Cannes / Divulgação
The Zone of Interest
1 de 1 The Zone of Interest - Foto: Festival de Cannes / Divulgação

Rudolf (Christian Friedel) e Hedwig Höss (Sandra Hüller) são pai e mãe de uma família tradicional alemã logo no meio do século XX. Se isto já dá ao espectador uma ideia do que ronda o novo filme do diretor inglês Jonathan Glazer, saiba-se que está certo. Um dos eventos históricos mais cruéis, e, talvez por isso, mais retratados, da história do cinema cai aqui sobre o olhar de dois artistas ingleses: o diretor, Glazer, e um dos maiores autores do país, Martin Amis, que escreveu o livro no qual este roteiro se baseia. Amis e Glazer são conhecidos por explorarem histórias de maneira incomum, introduzindo temas de mecanização e alienação. Em ironia suprema do destino, Amis morreu hoje, na Inglaterra, o mesmo dia da estreia.

Apesar da guerra que toma a Europa, Rudolf e Hedwig montam um pequeno Eden em sua volta. Pelo menos é assim que os dois veem sua casa. Existem oportunidades de passear no campo, as crianças passam o dia brincando, Rudolf está bem ao lado de seu local de trabalho e Hedwig, quando não está socializando e fofocando com outras esposas alemãs, cuida de um jardim que ela mesma descreve como ´paradisíaco´. O jardim é tão bonito e bem cuidado que ela ganha até um título extra-oficial das amigas: Rainha de Auschwitz. Sim, tudo sobre a vida da família é para ser visto como extrema ironia, já que Rudolf é comandante de um dos mais notórios campos de concentração do Holocausto.

Glazer, importante dizer, não usa a ironia como um artefato cômico, mas sim como artifício dramático. Seu intuito não é de humanizar nazistas vivendo as banalidades domésticas, mas sim explorar a acomodação e adaptação que o ser humano estabelece para digerir o horror. É nisso que o filme se destaca, no fazer cinema, pois a composição de câmera e o desenho de som nunca deixam separar esta família do genocídio cometido por eles. Cenas internas incluem personagens judeus como empregados (em realidade, escravos) da família, atendendo ao serviço doméstico pela ameaça explícita de morte, e do lado de fora a paisagem da casa é tomada por um enorme muro de concreto e arame farpado, vizinho, assim como a longa chaminé da sala de extermínio.

Durante a dramaturgia, o espectador escuta tiros, gritos, e o rugido do fogo. É a única percepção que temos das mortes. Ou melhor, a única além da fumaça escura que emana da chaminé industrial. Os personagens alemãs, claro, nem registram estas ocorrências ao seu redor–estão plenamente acostumados. A cena mais dramática do filme contém uma briga entre marido e mulher sobre uma possível transferência de Rudolf para Berlin. A fúria de Hedwig aparece não com as atrocidades vizinhas, mas com a possibilidade de perda deste lar bucólico que ela construiu. Destaque para Mica Levi, que compôs a trilha sonora. O filme começa com um aperitivo de estranheza: uma trilha quase que alienígena, com frames coloridos, como se preparasse o espectador para a aberração da normalidade que virá.

É aqui que o filme desliza um tanto de sua ironia dramática. O mal, quase que de maneira espiritual, começa a causar comportamentos estranhos nas crianças, e alguns personagens começam a passar mal de vez em quando. Aparece a ideia de que estes serão punidos pelo que fizeram, independente de sua percepção. “The Zone of Interest” é um parceiro espiritual de um filme do diretor austríaco Michael Haneke, chamado “A Fita Branca”, ganhador da Palma de Ouro em 2019. Com a sequencia final, que não cabe revelar aqui, o inglês Glazer ainda parece torcer pela recuperação humana.

Avaliação: Ótimo (4 estrelas)

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