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Cannes: Perfect Days, de Wim Wenders

Diretor alemão volta à ficção para contar uma história sobre as pequenas coisas da vida.

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Festival de Cannes/Divulgação
Perfect Days
1 de 1 Perfect Days - Foto: Festival de Cannes/Divulgação

Foi durante a copa de 2018 que os torcedores japoneses viralizaram por limpar o estádio após uma partida? É um desta filosofia que impregna um dos melhores filmes deste Festival até agora, sobre um homem japonês de meia-idade que vive sozinho e trabalha como faxineiro nos banheiros públicos da cidade de Tokyo. Hirayama, (Koji Yakusho) é um tanto zen, dirigindo sua van de um ponto ao outro enquanto escuta rock pacato (e ocidental) no som do carro, veste seu uniforme e executa suas tarefas com carinho e atenção. É isto.

Não se trata aqui de um filme sobre uma trama, por assim dizer, mas sobre um estado de espírito. É um estudo sobre um personagem, bem executado e que traz conforto. Feito por um estrangeiro, é possível que traga um olhar mais interessante para espectadores internacionais do que se fosse feito localmente. Wim Wenders é alemão, mas já filmou no mundo inteiro, e foi justamente um filme seu sobre os Estados Unidos, “Paris, Texas”, que lhe rendeu a Palma de Ouro na década de 90 (tanto naquele projeto quanto neste, Wenders usou roteiristas “locais”).

Antes de tudo, precisamos estabelecer um fato: o Japão é famoso por ter uma das melhores estruturas de banheiros públicos do mundo. A tecnologia e a limpeza dominam tudo. É de lá, aliás, que vem as famosas privadas que tocam música, aquecem os bumbuns e miram jatinhos de água. Então, ao ler sobre o filme onde o protagonista trabalha como faxineiro em banheiros públicos, não imagine que verá cenas de terror dignas de uma rodoviária brasileira. O remake por aqui será fatal.

O que Wenders traz é uma sensibilidade um tanto pós-moderna. Um diretor alemão, filmando um personagem japonês, que aclimatiza sua vida com músicas americanas e britânicas. Assistir Hirayama limpar banheiros, às vezes com uma escovinha de dentes e um espelho de dentista, é como engajar naqueles livros de colorir que viraram febre entre adultos, ou uma sessão ASMR em um local inesperado. Em seus momentos de folga ele fotografa a natureza ao seu lado, no meio do ambiente urbano.

Com um apartamento abarrotado de livros, fitas cassete e fotografias, Hirayama tem um refinamento cultural óbvio, e sem falar muito, detalhes como estes Wenders sugere que sua vida monástica é uma reação a algo de seu passado. Para o filme conter um pouco de energia a mais, o roteiro acrescenta dois personagens específicos. O primeiro é Takashi (Tokio Emoto), que trabalha com Hirayama e tem bem menos dedicação. Com pouco mais do que 20 anos, seus interesses estão todos fora dos banheiros.

Outra personagem de destaque é a sobrinha de Hirayama, Niko (Arisa Nakano), a única ligação do homem com seu passado familiar. Niko aparece sem aviso em seu apartamento, aparentemente atrás de um pouco de distância da mãe. Pode ser que toda a simplicidade e metodologia da vida de Hirayama venha de um desejo de se afastar da convivência e as convulsões de uma família que o roteiro discretamente sugere ser abastada.

Cada um tem seu momento de buscar essa paz, mas aqui Wim Wenders quer chamar atenção para quem conseguiu.

Avaliação: Ótimo (4 estrelas)

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